A Amazônia foi o cenário de um dos mais
brutais episódios da ditadura militar: a Guerrilha do Araguaia.
O
sonho de liberdade tinha um horizonte bem demarcado para se concretizar. Era na
Amazônia – na tríplice fronteira entre Pará, Maranhão e Goiás (atualmente
Tocantins) – que dezenas de jovens e militantes de esquerda, vindos dos grandes
centros urbanos, esperavam ver surgir a Revolução Socialista no Brasil. Para
isso, estavam dispostos a pegar em armas para lutar por ela.
Em meados dos anos 1960, o contexto não poderia ser pior
para esse idealismo transformado em guerrilha. Sob a ditadura militar desde
1964 e com todos os canais democráticos de expressão fechados (imprensa
censurada, manifestações e greves proibidas), a perseguição do Estado aos
opositores do regime era efetivada por meio de prisões, torturas e assassinatos
de militantes e operários, estudantes, camponeses e religiosos acusados de
subversão, comunismo ou incitação à desordem. A Guerrilha do Araguaia (1972-1974)
foi mais um capítulo desse tenebroso período.
Todos os envolvidos eram militantes do Partido Comunista
do Brasil (PCdoB) fundado em 1962 a partir de uma cisão no Partido Comunista
Brasileiro (PCB) e defensor de uma revolução imediata, pela via da luta armada,
se fosse necessário. A partir de 1966, o PCdoB passou a enviar para o Araguaia
jovens militantes das cidades. Eles tinham que aprender a viver como os
camponeses, conhecer profundamente seu modo de vida e a região, além de criar
laços de amizade e solidariedade com os moradores. Era fundamental, nessa
estratégia, que conseguissem envolver os camponeses na luta armada. Eles
comporiam a força do exército popular de libertação que o partido pretendia
organizar.
Durante cerca de seis anos, os militantes circularam
livremente e puderam organizar a estrutura militar da guerrilha: criaram três
destacamentos e uma Comissão Militar – órgão dirigente da luta no campo –, além
de diversos pontos de apoio onde estocavam alimentos, remédios e munição.
Produziam croquis identificando locais onde poderiam acampar e abriram trilhas
longe dos caminhos normais de passagem. Ao todo, 69 militantes do PCdoB se
deslocaram para o Araguaia. Mas os planos do Partido eram muito maiores. A
ideia era organizar outros destacamentos militares, criar pontos de apoio e
recrutar camponeses para a formação de um Exército.
A presença de “gente estranha” na área já era de
conhecimento do governo, ao menos, desde 1971. Em princípio, cogitou-se que
fossem contrabandistas, “terroristas” procurados nas cidades ou até mesmo um
grupo de hippies. E foi sem
saber ao certo com quem lidava que o Exército organizou sua primeira campanha
contra a Guerrilha do Araguaia. No dia 12 de abril de 1972, entrando por São
Domingos do Araguaia, no Pará, cerca de 20 militares atacaram o “peazão”,
principal Ponto de Apoio (PA) do destacamento A da guerrilha, mas não
conseguiram prender ninguém nessa primeira investida pois uma parte do material
foi retirada antes do ataque. Também na segunda campanha, em setembro e outubro
de 1972, as Forças Armadas não tiveram sucesso. Nem poderiam: não tinham dados
precisos sobre o inimigo que estavam enfrentando, não sabiam sua localização, o
número real de combatentes e não tinham certeza da identidade de muitos deles.
Imaginava-se até que Carlos Marighella, morto em 1969, estivesse na área.
Os fracassos iniciais do Exército motivaram ainda mais
guerrilheiros, como Maurício Grabois (1912-1973), um dos fundadores do PCdoB e
comandante da guerrilha, que em seu diário comemorou o acerto da estratégia no
Araguaia. Enquanto isso, entre os militares, ficava evidente a necessidade de
mudanças. Até então utilizavam, por exemplo, tropas de soldados fardados,
muitos deles inexperientes e recrutados na própria região.
Após um ano de tentativas frustradas de eliminar os
guerrilheiros, os militares iniciaram um longo trabalho de inteligência, que
visava colher o maior número possível de informações antes do próximo ataque.
Para a última e decisiva campanha repressiva, houve a participação da
“comunidade de informações”: militares andavam descaracterizados, deixavam a
barba e o cabelo crescer e circulavam disfarçados pela área – passavam-se por
técnicos agrícolas, funcionários de órgãos estatais e comerciantes. Com essa
“cobertura”, misturavam-se e colhiam informações junto aos moradores locais.
Outra forma recorrente de colher informações era
prendendo e torturando camponeses – muitos dos quais ainda estão
“desaparecidos”. Em outubro de 1973, às vésperas dos ataques finais à
guerrilha, o Exército promoveu um “arrastão” e prendeu aproximadamente 300
pessoas. Alguns foram colocados em valas de três metros nas bases militares,
que foram fechadas com grades de ferro. Era o “buraco do Vietnã”, uma forma de
tortura que pode ter sido usada em outras áreas rurais além do Araguaia.
Consistia em um buraco com uma grade de ferro por cima, onde o preso era
colocado junto com animais rasteiros – como insetos (formigas, aranhas,
besouros) e animais não peçonhentos, como o calango – e ali permanecia por
dias, tomando sol e chuva. Sua alimentação e suas necessidades fisiológicas
eram realizadas ali.
A terceira campanha militar contra a guerrilha foi um
cenário de intensa brutalidade por parte do Exército. É dessa fase a maior
parte dos relatos de camponeses sobre as torturas e prisões que sofreram. A
violência servia não apenas para conseguir informações junto aos camponeses,
mas também para intimidá-los, para que não colaborassem de nenhuma forma com os
guerrilheiros. Além dos ataques físicos e psicológicos, o Exército minou seus
meios de vida. Para matar a guerrilha de fome, queimava roças e alimentos
estocados nos paióis, impedia o plantio e a colheita. Muitos camponeses, sem
ter como sobreviver, deixaram a região. Alguns retornaram mais tarde e
descobriram que suas antigas posses haviam se tornado parte de grandes
fazendas.
Alguns moradores foram recrutados como guias do Exército:
iam à frente, guiando os militares pela mata. Não era possível recusar-se a
realizar essa atividade sem sofrer consequências. Muitos desses guias foram
presos e torturados para aceitar a função.
O ataque decisivo ocorreu no Natal de 1973. É lembrado
entre os militares como o “chafurdo de Natal”. Tratou-se de uma execução, pois
os guerrilheiros já não ofereciam condições de resistência, não havia mais
destacamentos, comissão militar ou pontos de apoio. Os poucos guerrilheiros
ainda vivos tentavam se esconder na selva, maltrapilhos, sem alimentos e
doentes. Em fevereiro de 1974, os militares estimavam que houvesse restado
cerca de 20 guerrilheiros nessas condições, e eles foram caçados ao longo de
todo o ano.
A ordem era para que não houvesse sobreviventes. Alguns
guerrilheiros foram vistos presos nas bases militares e hoje integram as listas
de “desaparecidos”, outros foram degolados.
Um dos guerrilheiros, em especial, alimentou diversas lendas:
Osvaldão. Primeiro a chegar à região, o mineiro de Passa-quatro destoava de
todos: negro, medindo 1,98m de altura, estudara engenharia na Tchecoslováquia e
fora campeão de box amador pelo Fluminense. Tratava-se de um militante do PCdoB
altamente treinado, comandante do destacamento A e um dos que mais aprofundaram
os laços de amizade com os moradores locais. Os camponeses diziam que Osvaldão
tinha o corpo fechado. Conta-se que uma patrulha do Exército o localizara numa
casa e que a metralhara de modo a garantir a morte de quem estivesse lá dentro.
Ao entrarem, viram apenas uma sombra no chão, mas nenhum corpo.
Osvaldão foi assassinado ao ser surpreendido descansando
num barranco. Segundo a lenda local, só foi possível matá-lo porque o guia dos
militares na ocasião era um conhecido macumbeiro da região, Arlindo Piauí, que
teria retirado a proteção mágica de Osvaldão. Cientes das crenças populares em
torno do guerrilheiro, os militares resolveram desfazer o mito: amarraram seu
corpo e sobrevoaram a cidade de Xambioá para que os moradores vissem que estava
morto.
Estima-se que, nas três campanhas na região, o Exército
tenha empregado cerca de 10 mil homens para reprimir a Guerrilha do Araguaia.
Passados mais de 40 anos, ainda é um episódio que movimenta a sociedade na luta
por esclarecimentos e pela responsabilização do Estado pelos crimes cometidos.
Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/contra-a-revolucao-a-barbarie
Por: Patricia Sposito Mechi.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa.
A Guerrilha do Araguaia tinha o objetivo de fazer uma revolução socialista, baseada nas experiências vitoriosas da Revolução Cubana e da Revolução Chinesa. Na época em que ocorreu, era desconhecida do restante do país, os detalhes só começaram a aparecer cerca de vinte anos após sua extinção pelas Forças Armadas.
ResponderExcluirEssa guerrilha teve grande inspiração nos casos de sucesso acontecidos em outros países do mundo, como China e Cuba, onde os grupos de oposição conseguiram tomar o poder organizando suas forças a partir do meio rural. Dessa maneira, importantes dirigentes do PC do B optaram por organizar pequenos grupos armados onde os nomes falsos e a descentralização das ações poderiam se esquivar dos serviços de informação criados pelo regime militar.
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