A
histórica decisão dos britânicos de deixar a União Europeia deflagrou
uma crise política que remodelará a estrutura partidária e, em último caso,
esfacelará o reino de quatro países de Elizabeth 2ª.
Enquanto
os partidos Trabalhista e Conservador assistem a uma intensa disputa
interna capaz de fragilizar suas estruturas, o Partido Nacionalista
Escocês (SNP) joga pesado não só para sair fortalecido do processo, mas também
para tentar emplacar a independência da Escócia.
Ainda
que todas as estratégias do SNP envolvam o caminho para a independência
—principal bandeira dos nacionalistas—, chamar uma segunda consulta pública
para "libertar" o país é considerada a última e mais arriscada das
opções. Em 2014, os eleitores escoceses preferiram ficar junto ao
Reino Unido.
"Ainda
há dúvida se há apoio para um segundo referendo sobre a independência.
Pesquisas sugerem que já aumentou, mas ainda é cedo", avalia James
Mitchell, professor de políticas públicas da Universidade de Edimburgo.
O
SNP é uma legenda de centro-esquerda que ganhou força com o plebiscito pela
independência escocesa.
Apesar
de derrotado, o partido vem elegendo cada vez mais representantes. Desbancou os
trabalhistas e hoje governa o país com a primeira-ministra Nicola Sturgeon, que
tem tentado de tudo desde a vitória do Brexit (o rompimento
do Reino Unido com a UE).
PRESSÃO
O
visível empenho de Sturgeon, que tenta desde negociar um acordo
avulso com a UE até convocar uma consulta pública pela independência da
Escócia, contrasta com a falta de liderança nos dois grandes partidos britânicos.
O
conservador David Cameron renunciou ao cargo de premiê e forçou seu partido a
antecipar as eleições internas, numa briga da qual Boris Jonhson, o principal
nome da campanha para sair do bloco europeu, desistiu de participar. Os
trabalhistas do Parlamento, por sua vez, destituíram Jeremy Corbyn,
forçando-o a disputar de novo o posto de líder —ele se recusa.
"A
posição de liderança de Sturgeon é um contraste gritante com o cenário em
Westminster [no Parlamento] e, por isso, causa preocupação quanto à integridade
territorial do Reino Unido", avalia Laura Cram, professora de política
europeia na Universidade de Edimburgo.
Agora,
os nacionalistas se apegam ao sentimento de injustiça que paira na Escócia e
tem motivado manifestações de amor à UE. Em menos de uma semana foram três
protestos diante do Parlamento escocês, cada um com mais manifestantes.
"A
Escócia votou para ficar na União Europeia, mas está sendo forçada a sair. O
bom senso diria que a saída é declarar a independência e virar membro do bloco.
Mas as coisas são mais complicadas, e o jogo político, pesado", observa o
professor de direito Cormac Mac Amhlaigh, da Universidade de Edimburgo.
XADREZ
POLÍTICO
Sturgeon
está a frente desse processo e tem apostado em tudo. Na quarta (29), ela foi a
Bruxelas sondar lideranças da UE sobre a possibilidade de negociar em
separado uma posição diferenciada para a Escócia. Enfrentou a resistência do
bloco, que não vai facilitar as negociações para o Reino Unido e pressiona
pelo início do processo.
A
primeira-ministra fala na possibilidade de a Escócia vetar o resultado do
plebiscito (a lei exige aprovação dos parlamentos de Inglaterra, Escócia, Gales
e Irlanda do Norte). Mac Amhlaigh diz que o veto é apenas um ato político
incapaz de interromper o processo de saída, que define como jogo de xadrez.
"Londres
não precisa parar as negociações porque a Escócia vetou. Mas, se ignorar o
veto, pode dar argumentos para os escoceses declararem independência, já que
perderam voz e força no Reino Unido. Ao mesmo tempo, para chamar outro
plebiscito pela independência, é preciso que o premiê autorize".
Sturgeon
também tem mantido conversas com Irlanda do Norte e Gibraltar, que, como a
Escócia, votaram para ficar no bloco europeu e discutem a possibilidade de
romper com o Reino Unido.
"Ela
tentará de tudo, mas não vai fazer nada que não tenha apoio da grande maioria
dos escoceses", observa o professor Mac Amhlaigh.
Ainda
que insatisfeitos com o resultado do plebiscito, os escoceses que protestam
pela permanência na UE se dividem sobre a solução para continuar no bloco.
Jack
Sinclair, 22, diz que mais efetivo seria uma nova consulta pela independência
da Escócia. "O ideal é fazer logo, enquanto o povo está animado",
observa, enquanto ergue um cartaz pela paz.
Já
os amigos Oliver Cotton, 20, e Angus Green, 22, não têm pressa. "Antes de
votarmos pela independência, precisamos ver como fica a situação da Escócia em
relação ao resto da Europa", diz Cotton, que foi para a manifestação de
quarta-feira (29) usando o tradicional traje escocês.
Nina
Baker, 62, saiu de Glasgow para protestar em Edimburgo. O cartaz dela dizia
para não culpá-la: "Tenho mais de 60 e votei para ficar".
Baker
também não acha que a independência teria apoio irrestrito dos escoceses e
tampouco garantiria posição privilegiada na UE. Para ela, membro do Partido
Verde, o plebiscito serviu para mostrar que o único partido com liderança é o
SNP. "O resto está se desintegrando."
Folha de São Paulo, 3/7/16.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa.
Ótimo texto da folha de São Paulo. Após o plebiscito, o povo britânico tentou se redimir do voto a favor da saída do Reino Unido da União Européia, no entanto, a decisão já foi tomada, e caminhamos para um evento comparado a queda do Muro de Berlim.
ResponderExcluir