Reino Unido e Estados Unidos refletiram nesta quarta-feira
(6) sobre suas participações nos conflitos em que estão envolvidos no Oriente
Médio desde a década passada. Enquanto uma investigação
apontou os erros na decisão britânica de se aliar à missão contra Saddam
Hussein, em 2003, o presidente dos EUA, Barack
Obama, anunciou redução do ritmo da retirada de tropas do Afeganistão, invadido
em 2001.
Por mais importantes que sejam as
avaliações dos países sobre as ações militares, essas recentes guerras travadas
pelo Ocidente no Afeganistão e no Iraque desde o início do século 21 não
deveriam ser analisadas isoladamente, segundo o historiador Andrew J. Bacevich.
Coronel aposentado do Exército e um dos maiores
especialistas em estudos sobre história militar dos EUA, ele defende a teoria
de que todas as ações militares lideradas pelos Estados Unidos no Oriente Médio
são parte de uma única grande guerra travada na região desde 1980.
A tese é apresentada em seu novo livro,
"America's War for the Greater Middle East" (A guerra americana pelo
grande Oriente Médio), oitava obra dele sobre temas relacionados a questões
militares, lançada em abril nos EUA.
Em entrevista à Folha, Bacevich explica seu argumento e diz que está claro que
esta longa ação militar não teve sucesso. "Não alcançamos os objetivos do
nosso envolvimento militar no mundo islâmico, e acredito fortemente que nossos
esforços pioraram as coisas", disse.
O grande problema, segundo ele, é que
desde o início dos confrontos na região os EUA não têm sequer um entendimento
claro sobre o que seria "vencer" esta guerra. "Nossos esforços
criaram grandes custos para os EUA e custos maiores ainda para as pessoas da
região. É hora de avaliar o que essa guerra produziu", explicou Bacevich.
38 GUERRAS
Nesta guerra contínua, o historiador
lista pelo menos 38 campanhas e ações militares dos EUA em 15 países do Oriente
Médio, começando com medidas tomadas pelo então presidente Jimmy Carter no
final dos anos 1970 até as decisões de Barack Obama pelo uso de drones na luta
contra o terrorismo, o Estado Islâmico e a decisão de manter tropas no
Afeganistão, como anunciado nesta quarta (6).
Entre governos democratas e republicanos,
"todos cometeram os mesmo erros de avaliação e tomaram as mesmas decisões
equivocadas sobre o confronto", diz. "Todos os presidentes têm um
pouco dessa guerra. Não é uma questão partidária. A guerra pelo grande oriente
médio foi um projeto bipartidário desde o começo."
Ela acontece, segundo Bacevich, não
apenas por causa do interesse pelo petróleo do Oriente Médio, que ele admite
ter sido a motivação dos primeiros conflitos, em 1980. A guerra se mantém por
uma associação entre a mania de grandeza, a ingenuidade coletiva dos americanos
e total desconhecimento da realidade da região.
Desde o começo, ele explica, essa tem
sido uma guerra para demonstrar que os EUA não precisam aceitar limites e que
podem reivindicar prerrogativas não permitidas para outros países. "A
guerra acontece para que possamos afirmar que somos a única superpotência do
mundo. Moldar o grande Oriente Médio, expressão que as pessoas em Washington
gostam de usar, confirmaria o poder dos EUA como a nação proeminente no planeta.
É isso que causa essa guerra."
Os EUA não entendem o Oriente Médio, ele
complementa. "Nem os políticos, nem os militares, nem os cidadãos que
participaram do início do conflito sabiam nem um pouco sobre a história da
região. Eles eram ignorantes em relação à conexão religiosa do problema e
tinham pouco interesse pela disfunção política e econômica da região. É uma
ingenuidade que vem do desconhecimento do contexto histórico", explicou,
alegando que esse desconhecimento ecoa o trabalho de Edward Said sobre
"Orientalismo".
INIMIGO DA VEZ
Para Bacevich, ao pensar os conflitos
como ações isoladas, o governo toma decisões erradas com objetivos de curto
prazo, o que não resolve o problema. A cada momento, há um novo inimigo da vez
a ser combatido com justificativas novas pelo governo, quando na verdade
enfrenta-se a mesma guerra.
A tendência agora, ele diz, é pensar
que, se os EUA puderem vencer o Estado Islâmico, as coisas vão melhorar, o que
não está certo.
"Isso encoraja uma tendência cega
de continuar levando adiante ações militares na região. Continuar pressionando
militarmente, vai apenas prolongar ainda mais esta guerra e fazer ela custar
mais. O poder militar norte-americano não é um instrumento relevante para os
problemas que acontecem na região, e por isso precisamos pensar de forma
diferente", disse.
Segundo o historiador, os EUA precisam
mudar sua abordagem e ter uma avaliação diferente e realista sobre a ameaça do
terrorismo.
"Esta ameaça é relativamente
pequena, e a melhor forma de nos protegermos é criar uma defesa robusta e
manter os terroristas longe da gente. Em vez de mandarmos forças para o Iraque,
Afeganistão, Síria e Líbia, seria melhor reforçar as agências responsáveis pela
manutenção da segurança interna", disse.
AÇÃO
DIPLOMÁTICA
Segundo ele, seria correto reduzir a
presença militar norte-americana na região e incentivar as lideranças locais a
cuidarem dos seus próprios assuntos. O EI, diz Bacevich, deve ser combatido
pelos próprios países do Oriente Médio, e a melhor forma de os EUA incentivarem
isso é por meio da diplomacia.
"A questão é diplomática, não
militar. Precisamos convencer os países a pensarem sobre isso, deixarem de lado
suas diferenças para restaurar a estabilidade na região."
Para ele, uma definição realista sobre o
que seria "vencer" a guerra hoje seria a restauração da estabilidade
e o fim à enorme desordem na região. "A ação militar dos EUA não está
restaurando a ordem. Está criando desordem. Deveria haver uma desmilitarização
da ação dos EUA na região", defendeu.
Apesar do diagnóstico, o historiador
alega que a eleição norte-americana, em novembro, não cria nenhuma perspectiva
de mudança na abordagem, o que torna difícil prever um fim para o conflito que
já dura mais de 35 anos.
"Se considerarmos que o próximo
presidente dos EUA será Hillary Clinton ou Donald Trump, é pouco provável que a
situação mude de forma substancial. Eles já falaram claramente que não têm
inclinação a repensar o uso do poder militar norte-americano na região. A
guerra dos Estados Unidos pelo grande Oriente Médio vai continuar."
Folha de São Paulo, 6/7/16.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 7/7/16.
Acredito que os EUA, por serem uma das maiores potências mundiais, não devem deixar de lado o problema do terrorismo, no Oriente Médio. Viver uma “Doutrina Monroe” não é possível nos dias de globalização, ou seja, “América para os americanos”. Isso não é um problema apenas dos povos do Oriente Médio, mas é um problema do mundo e, por isso, pode se tornar uma guerra mundial. Também acredito que a maneira de atuação estadunidense, no Oriente Médio, pode ter piorado as coisas, e aí eu concordo com o autor do livro. O que pode ter sido pior, são os custos: financeiros, humanos, energéticos, vitais, etc. Eu comungo com o questionamento de Bacevich, ou seja, o que se produziu com esses conflitos? Penso que apenas a ambição é que estimulou e estimula pela necessidade de grandeza, o que demonstra que os EUA não dão conta de aceitar limites e quer, a todo custo, ser a única superpotência mundial. Vivemos ainda diante de desrespeitos culturais no mundo contemporâneo e não apenas vivido esse desrespeito em épocas coloniais.
ResponderExcluir