Fevereiro
de 2008. Os jornais noticiam a reação mundial à renúncia de Fidel Castro à
presidência de Cuba. O secretário de Estado da França, Jean-Pierre Jouyet,
declara que seu país espera que a decisão de Castro "abra um novo caminho
e que exista mais democracia no país - o castrismo tem sido o símbolo do
totalitarismo". Já a secretária de Estado espanhola para a Ibero-América,
Trinidad Jiménez, disse que "esse é o momento em que Raúl Castro vai poder
assumir com mais capacidade, solidez e confiança esse projeto de reformas. Ele
mesmo já havia falado isso, e creio que poderia começar a realizar agora esse
grupo de reformas".
Em
resumo, as principais nações fizeram questão de se manifestar quando a notícia
correu pelo mundo. As reações foram as mais variadas possíveis, mas todas
pareciam apontar para uma unanimidade: Cuba necessitava de uma oportunidade
para finalmente se democratizar. E a renúncia de Fidel parecia ser o momento
que todos aguardavam com ansiedade.
Historiadores
como o argentino José Ignacio García Hamilton (1943-2009) afirmam que Fidel
teve uma trajetória política semelhante à de líderes latino-americanos do
século XIX, como José de San Martín (1778-1850) e Simón Bolívar (1783-1830).
Hamilton explica que os dois exemplos históricos chegaram ao poder pela
libertação de seus povos, mas que depois tentaram ficar em caráter permanente
nas lideranças. Fidel seria um terceiro exemplo e o mais perigoso deles, já que
ele se tornou, na opinião do historiador, "um ditador pior do que seu
principal inimigo, Fulgêncio Batista (1901-1973)", que foi derrubado pela
Revolução Cubana, em 1959. Para Hamilton, a única diferença entre Fidel e
Fulgêncio foi o tempo de permanência no poder - quesito em que o primeiro ganha
de disparada.
A
exemplo de tantos outros líderes políticos, Fidel Castro continua a ser uma
figura polêmica. Há quem ou ame e há quem o odeie, mas dificilmente encontra-se
um meio-termo. O líder do Partido Comunista da Federação Russa, Guennadi
Ziuganov, chamou o ex-presidente cubano de "político genial, responsável e
valente em nome dos interesses de seu país e seu povo". Mas, afinal, o que
Fidel tem, capaz de despertar tantos sentimentos diferentes?
Juventude
e vida de estudante.
Nascido
em 13 de agosto de 1926, no pequeno povoado de Birán, hoje conhecido como
Província de Holguín, localizado na parte leste de Cuba, Fidel é filho de um
imigrante espanhol e latifundiário vindo da Galiza, chamado Ángel Castro, e de
uma trabalhadora que conseguiu emprego em sua fazenda, Lina Ruz. Aos 4 anos de
idade foi enviado para Santiago de Cuba pelo pai e foi batizado somente aos 8
anos, com o nome de Fidel Hipólito. Apenas quando completou 17 anos foi
reconhecido oficialmente e registrado com seu nome definitivo: Fidel Alejandro
Castro Ruz. Seu pai ainda teve dois filhos com a primeira esposa e mais três
com a mãe de Fidel, entre eles o sucessor no governo cubano, Raúl Castro.
Sua
infância é envolta em histórias curiosas, como a que narra sua incrível
capacidade de memorização. Diz-se, inclusive, que ele podia memorizar livros
inteiros. Canhoto, foi educado em colégios jesuítas como o La Salle e o
Dolores, ambos em Santiago, e o Colegio Belén, de Marianao. Chegou até a
exercer a função de coroinha. Além disso, foi premiado como melhor atleta
estudantil secundarista em 1944, posição obtida devido à sua altura e físico.
Também praticava beisebol, o esporte nacional cubano.
Em 1945,
entrou para a Universidade de Havana e, durante o segundo ano do curso, editou
com Baudilio Castellanos o periódico mensal Saeta, impresso em mimeógrafo e
distribuído gratuitamente, no qual reproduzia conferências de classes. Não
demorou muito para que o jovem Fidel se acostumasse a ser líder estudantil.
Formou-se em Direito em 1949, mas não antes de ser dirigente da Federação de
Estudantes Universitários (FEU) e participar de alguns eventos, como a
expedição frustrada, em 1947, de Cayo Confites contra a ditadura de Rafael
Leónidas Trujillo (1891-1961), na República Dominicana. Fidel também colaborou
com o Congresso Latino-Americano de Estudantes, que aconteceu simultaneamente
com a IX Conferência Panamericana, em 1948, em Bogotá, que o permitiu manter
contato com o intelectual e cineasta cubano Alfredo Guevara, um dos fundadores
do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), criado em 1959.
Já
formado em Direito, casou-se com a estudante de Filosofia Mirta Diaz-Balart, em
1948, de quem se divorciou seis anos depois. O filho dessa relação, Fidel
Castro Diaz-Balart, também conhecido como Fidelito, nasceu em 1949 e trabalhou
como chefe da comissão de energia atômica do país. Hoje é físico nuclear e
assessor científico do governo cubano.
Pouco
tempo depois, em 1956, nasceu Alina Fernández, fruto de um caso extraconjugal
que Fidel manteve com Natalia Revuelta. Alina só soube que era filha do ditador
quando tinha 10 anos, e hoje vive como exilada nos Estados Unidos, terra que
adotou desde 1993. A irmã de Fidel, Juanita Castro Ruz, também é exilada
política e vive na mesma cidade.
O
surgimento de um mito.
Depois
de concluir os estudos universitários, Fidel se dedicou a defender de todas as
formas possíveis aqueles que se manifestavam contra o governo então vigente no
país. Qualquer um que atacasse trabalhadores e sindicatos era denunciado, e
isso apenas durante o governo de Carlos Prío Socarrás (1903-1977), famoso por
seus atos ilegais e corrupção. As denúncias eram feitas por meio do jornal
Alerta e das emissoras de rádio Álvarez e COCO.
Em
seguida, Fidel se vinculou ao Partido do Povo Cubano, liderado por Eduardo
Chibas (1907-1951), de onde sairia candidato a representante nas eleições de
1952. O golpe de Estado liderado por Fulgêncio Batista, em março daquele ano,
assunto abordado por Fidel em artigo publicado no jornal La Palabra, foi a mola
motriz que o convenceu de que era necessário buscar formas diferentes de ação
para "transformar a sociedade cubana", como ele mesmo disse.
Logo após
o golpe, Fidel imprimiu em mimeógrafo e distribuiu de maneira clandestina sua
denúncia contra o golpe. Com outros jovens que editavam e imprimiam o jornal
clandestino Son los Mismos, trocou o nome do veículo para El Acusador e
tornou-se coeditor, assinando seus artigos apenas com seu segundo nome,
Alejandro, o mesmo que mais tarde usaria para rubricar suas mensagens e correspondências.
Foi desse mesmo grupo que saíram os participantes que, sob suas orientações,
atacariam o Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953. Estavam lançadas as
sementes do Movimento Revolucionário 26 de julho, conhecido pela abreviação
M-26-7. Porém, a empreitada foi um fracasso. O que virou lucro nessa história
foi o fato de que a reputação nacional de Fidel cresceu muito. Suas ideias, na
época, eram consideradas como nacionalistas, anti-imperialistas e reformistas.
Fidel
foi julgado e condenado a 15 anos de prisão. Nessa ocasião, proferiu seu mais
famoso discurso, conhecido como "A história me absolverá". Ele havia
assumido a própria defesa, que mais tarde foi impressa e distribuída
clandestinamente. Foi cumprir sua pena na prisão de Boniato, em Santiago, e
mais tarde foi transferido para o Presídio Modelo, em Isla de Pinos, hoje Isla
de La Juventud, localizada no extremo oeste de Cuba. Ele deixou a cadeia em
maio de 1955 graças a uma anistia. Partiu para o exílio no México, onde fundou
oficialmente o M-26-7.
Fidel
prometia, em breve, voltar ao país e combater o regime de Batista. Começou
então a publicar mais artigos em jornais como o La Calle e o semanário Bohemia,
além de realizar aparições em rádio e TV. Enquanto isso, o movimento
revolucionário era estruturado em escalas nacional e internacional.
Não
demorou muito para que seus artigos começassem a ser censurados e logo seus
canais de expressão foram cortados. Apenas dois meses depois de voltar de seu
primeiro exílio no México, Fidel começou a trabalhar na preparação daqueles que
o acompanhariam em sua luta. Para tanto, dedicou-se a aumentar sua participação
em atividades políticas e escreveu o chamado Manifesto Número Um do M-26-7.
Esse texto circulou de maneira clandestina pela ilha toda e firmou o chamado
Pacto do México, feito com a participação de José Antonio Echeverría,
presidente da FEU. Essa seria a principal força que se opunha ao governo de
Fulgêncio Batista.
A fortuna
do comunista.
N ão é
apenas na política que Fidel Castro é polêmico. Como todo líder de governo e
figura pública, seu patrimônio é um assunto que chama a atenção de todos. A
Forbes, revista norte-americana de economia, publicou uma lista em 2005
colocando Fidel entre as pessoas mais ricas do mundo. Segundo a publicação, a
fortuna do ex-presidente gira em torno de US$ 550 milhões. O texto levantou
diversas hipóteses sobre como o político teria acumulado tanto dinheiro. Para a
publicação, o montante citado seria resultado da soma do patrimônio das
empresas estatais do governo de Cuba. Assim, Fidel teria conquistado toda essa
riqueza a partir de "uma rede de negócios pertencentes ao Estado",
entre eles o Palácio de Convenções, um centro próximo a Havana; o conglomerado
do setor de varejo Cimex; e o Medicuba, que vende vacinas e outros produtos
farmacêuticos produzidos em Cuba.
A Forbes
afirmou ainda que Fidel viaja exclusivamente em comboios de carros da marca
alemã Mercedes-Benz e que ele teria recebido US$ 50 milhões em 1993 pela venda
da fabricante estatal de rum Havana Club para a francesa Pernod Ricard. No
entanto, o cálculo da Forbes não passa de especulação, já que a própria revista
admitiu não ter provas sobre a existência de contas no exterior em nome de
Fidel. Porém, os editores da publicação insistiram na existência de uma
"fortuna" ligada a ele.
Fidel,
claro, negou esse valor e ainda considerou a reportagem "uma
infâmia". Ele ainda desafiou a revista a provar que há alguma conta dele
no exterior de qualquer valor, em qualquer banco internacional. Se isso fosse
provado, disse Fidel, ele renunciaria às suas funções no governo cubano. Nada
até hoje foi confirmado e a Forbes ainda teve de aguentar a acusação feita por
ele de ser ligada aos serviços de inteligência norte-americanos.
No mesmo
período, Fidel foi aos Estados Unidos para obter o apoio dos imigrantes cubanos
que lá viviam e chamou a atenção deles com discursos proferidos em Nova York e
Miami. No final de 1956, partiu com dezenas de combatentes do porto mexicano de
Tuxpan, em uma embarcação chamada Granma, e desembarcou em 2 de dezembro na
praia de Las Coloradas. Ele e seus companheiros foram para Sierra Maestra, que
se tornou a base do Exército Rebelde Cubano por mais de dois anos. A essa
altura, Fidel já estava no posto de comandante-em-chefe do exército.
Com o
financiamento e o apoio norte-americano, desenhou e guiou a estratégia de luta
contra a ditadura batistiana, operação que teve o suporte da unidade de ação
das forças opositoras revolucionárias. Entre os 81 rebeldes constava outro nome
que entraria para a história, o do médico argentino Ernesto "Che"
Guevara (1928-1967).
O
exército de Fidel enfrentou vários combates e teve vitórias, orientou a criação
de novas frentes guerrilheiras em Oriente e Las Villas e ainda trabalhou na
preparação de leis fundamentais que deveriam promulgar-se, uma vez alcançado o
sucesso. Suas ideias se espalharam em âmbito nacional e internacional por meio
de alguns veículos como o jornal El Cubano Libre, a emissora Radio Rebelde e
entrevistas para jornais e revistas do mundo inteiro.
O
carisma de Fidel logo demonstrou ser uma arma poderosa. Depois da fuga do
exército de Batista, que deixou Cuba em 1º de janeiro de 1959, Fidel passou a
ser o chefe do governo, primeiro como primeiro-ministro, entre 1959 e 1976, e
depois presidente do governo e primeiro secretário do Partido Comunista, de
1976 a 2008.
Toda
a polêmica acerca de Fidel nos dias de hoje vem do período posterior ao da
Revolução Cubana. Após a fuga do exército do ditador Batista, o líder
revolucionário consolidou a vitória com uma marcha em direção a Havana, onde
entrou uma semana depois. Foi então que o governo o nomeou comandante-em-chefe
de todas as forças armadas, terrestres, aéreas e marítimas. Tornou-se
primeiro-ministro no mês seguinte. Após a vitória, ele foi para os Estados
Unidos. Cuba, sob a égide de Fidel, declarou-se Estado Socialista, em 1961. A
União Soviética anunciou seu apoio econômico e militar ao novo governo ao
adquirir a maioria do açúcar produzido na ilha. Desde então, Cuba passou a
sofrer o embargo econômico norte-americano. Em abril daquele ano, vários
cubanos exilados, financiados pelos Estados Unidos, tentaram sem sucesso
derrubar o governo.
Em 1962
aconteceu a famosa Crise dos Mísseis Cubanos, e a situação com os Estados
Unidos se intensificou. Isso, porém, não impediu que o governo começasse a
criar um novo aparato estatal, com leis a favor de setores mais desfavorecidos,
além da fundação de órgãos como o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA)
e instituições culturais, como a Imprensa Nacional de Cuba e o Instituto Cubano
de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC).
Quando
anunciou sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro, em julho de 1959, causada
pelos problemas que enfrentava devido às exigências do então presidente Manuel
Urrutia (1908-1981), que ia de encontro às leis e medidas revolucionárias, o
povo cubano reagiu com a exigência da reincorporação de Fidel e a saída do
presidente do poder. Fidel voltou ao cargo e continuou com os projetos, dentre
eles a nacionalização de empresas estrangeiras, a Reforma Urbana, o
desenvolvimento da indústria nacional e a diversificação agrícola, além da
pioneira Campanha de Alfabetização. Também constavam em seus planos a
nacionalização e a gratuidade do ensino em todos os níveis, a eliminação da
saúde pública privada e do desporte profissional, a melhoria das condições de
vida dos setores mais populares, o estabelecimento de vínculos com nações de
todo o mundo e todos os sistemas sociais de governo.
Entre
as associações que tiveram sua mão na criação ou na inspiração, encontram-se
diversos grupos como a Associação de Jovens Rebeldes (ARJ), os Comitês de
Defesa da Revolução (CDR), as Milícias Nacionais Revolucionárias (MRN), a União
de Pioneiros de Cuba (UCP), a Federação de Mulheres Cubanas (FMC), entre outras
de caráter seletivo e político. Fidel ainda teve tempo para redigir alguns
textos que são considerados até hoje como fundamentais da história
contemporânea de Cuba e até da América Latina, como os que pertencem ao
conjunto da Primeira e da Segunda Declaração de Cuba, de 1960 e 1962,
respectivamente. Quando houve a invasão mercenária organizada e financiada
pelos Estados Unidos, em Playa Girón, no centro sul da ilha, foi Fidel quem
dirigiu pessoalmente as tropas que os enfrentaram.
O grande
ditador.
Cuba
sempre cuidou de suas relações internacionais. Fidel embarcou em uma série de
viagens por países da América Latina, Europa, África e Ásia. Todas essas
visitas tinham o objetivo de representar o país em congressos, conferências,
organizações e em encontros amistosos.
A
presença de Fidel se destacou quando o comandante participou das cúpulas do
Movimento de Países Não Alinhados, definido como um movimento que reúne 115
países (quantidade relativa a 2004), em geral nações em desenvolvimento, com o
objetivo de criar um caminho independente no campo das relações internacionais,
que permita aos membros não se envolverem no confronto entre as grandes
potências. Fidel ainda se dedicou à divulgação de seus discursos, artigos e entrevistas
em livros de própria autoria e compilações, além de filmes institucionais e
participações em empresas de TV e rádio de Cuba e do exterior.
Com
toda essa atividade, ganhou um prêmio que foi pouco divulgado, o Prêmio Lenin
da Paz, em 1961. Também recebeu o título de Doutor Honoris Causa em várias
universidades da Europa e da América Latina, além de condecorações por
trabalhos em prol das relações com outros países. Um dos prêmios mais
alardeados que ele conquistou foi o Mijaíl Shólojov, que lhe foi entregue em
1995 pela União de Escritores da Rússia.
A crise dos
mísseis.
Conhecida
como Crise Caribenha entre os russos e Crise de Outubro para os cubanos, a
famosa Crise dos Mísseis de Cuba foi um dos episódios mais tensos da Guerra
Fria, travada entre os norte-americanos e os soviéticos, desde o fim da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) até a extinção da União Soviética, em 1991.
Tudo
começou com uma resposta dos soviéticos à invasão de Cuba pelos Estados Unidos,
em abril de 1961 (a Invasão da Baía dos Porcos), e à instalação de mísseis
norteamericanos na Turquia. Cuba recebeu alguns mísseis soviéticos, o que fez
os norte-americanos imaginarem que estavam sob a mira dessas armas.
Em
outubro de 1962, os Estados Unidos divulgaram fotos de um voo secreto feito por
eles sobre Cuba que revelava a existência de 40 silos que abrigavam os mísseis.
As duas superpotências, EUA e URSS, pareciam à beira de uma guerra nuclear,
pesadelo que atormentaria o mundo todo por um bom tempo. O governo de John
Kennedy (1917-1963) encarou o fato como um ato de guerra contra seu país.
Nikita
Khrushchev (1894-1971), então primeiro-ministro soviético, defendeu-se ao
afirmar que os mísseis eram defensivos e que tinham sido instalados em Cuba
para dissuadir outra tentativa de invasão da ilha. Os norte-americanos se
sentiram muito ofendidos, afinal, os mísseis se encontravam a apenas 150
quilômetros de seu território. Kennedy pressionou Khrushchev a desativar as
armas ou a guerra seria inevitável.
A
crise durou 13 dias, terminando em 28 de outubro de 1962, quando Khrushchev,
após conseguir secretamente uma retirada dos mísseis da Turquia, concordou em
remover os que estavam em Cuba. Enquanto isso, os norte-americanos entraram em
uma paranoia de guerra, a ponto de comprarem tijolos e cimento para a
construção de abrigos antinucleares. Quando Kennedy anunciou a gravidade da
situação em rede nacional de TV, muitos chefes de família dos Estados Unidos
cavaram seus próprios abrigos nos jardins de suas casas para se protegerem do
perigo nuclear, que na realidade nunca aconteceu.
Mas a
popularidade de Fidel dentro e fora de Cuba é discutível. Ele chegou ao poder
com o apoio da maioria dos cidadãos cubanos ao fazer promessas de criação de
uma administração honesta com liberdades civis e políticas, além das reformas
moderadas. Ao longo dos anos, no entanto, não foi essa a cartilha que seguiu.
Inúmeras vezes seu governo recebeu acusações de autoritarismo, radicalismo e
violação aos direitos humanos, além de perseguição a religiosos e homossexuais.
Milhares
de cubanos deixaram seu país legal ou ilegalmente apenas por não estarem de
acordo com o governo. Muitas são as reportagens que narram casos de pessoas que
entraram nos Estados Unidos a partir de fugas marítimas, os chamados
"balseiros", e que fazem de tudo para chegar à terra do Tio Sam
apenas para se verem livres das perseguições dos adeptos do governo castrista. Esse
contingente é tão significativo que um acordo entre os Estados Unidos e Cuba
foi feito estabelecendo que os cubanos que conseguissem alcançar o solo
norte-americano teriam direito à cidadania norte-americana.
Além
dos Estados Unidos, os cubanos dissidentes também se refugiam em massa na
Espanha, e muitos participam de movimentos anti-Fidel, um problema que o
sucessor Raúl Castro deve enfrentar. Os opositores de Fidel defendem a queda do
regime castrista e a criação imediata de reformas democráticas no país.
E não é
apenas dos cubanos que vêm as críticas. A comunidade internacional costuma
recriminar muito as atuações de Cuba em relação aos direitos humanos. O governo
de Fidel foi muito acusado de violação desses princípios e do tratamento dado a
presos políticos e dissidentes. Há casos de pessoas que foram condenadas à
morte somente por se posicionarem contra o governo.
O curioso
é que um sentimento ambíguo pareceu dominar os cubanos quando a notícia dos
problemas de saúde de Fidel foi divulgada, em 2006. Enquanto alguns torciam
para que Fidel se recuperasse logo, parte da comunidade cubana que vive em
Miami comemorou a notícia da internação do líder, que na época passava por uma
cirurgia de intestino.
Mesmo
afastado do poder, Fidel continua a manifestar suas opiniões. Um dos exemplos
mais claros foi seu recente artigo publicado na série Reflexões, veiculado por
órgãos oficiais de imprensa. Sobre uma possível volta de Cuba para a
Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual foi excluída em 1962, disse
como se estivesse ainda no poder que "Cuba respeita os critérios de
governos dos países irmãos da América Latina e do Caribe que pensam de outra
forma, mas não deseja fazer parte dessa instituição".
Prêmio
Lenin da paz.
Todos os
leitores, com certeza, já ouviram falar sobre o Prêmio Nobel da Paz, instituído
pelo inventor da dinamite, o sueco Alfred Nobel (1833-1896). Poucos, porém,
sabem que existiu uma premiação soviética equivalente chamada Prêmio Lenin da
Paz. A distinção conferida por realizações nos campos das artes e ciências, entre
outros, foi criada em 1949 pelo governo da União Soviética e, no início, era
denominado de Prêmio Internacional Stalin para o Fortalecimento da Paz entre os
Povos. Mas em 1956, em decorrência do processo de "desestalinização"
da União Soviética, mudou de nome para Prêmio Internacional Lenin para o
Fortalecimento da Paz entre os Povos.
O
prêmio é considerado um equivalente do Nobel, já que premia pessoas que atuam
nos mesmos moldes do concorrente ocidental. Criado em 21 de dezembro de 1949,
em homenagem aos 70 anos de nascimento de Joseph Stalin (1878-1953), parou de
ser distribuído em 1991. Os ganhadores eram escolhidos por um comitê
internacional apontado pelo governo soviético. Entre os vencedores mais
conhecidos, além de Fidel Castro, que o ganhou em 1961, estão nomes como o
escritor Jorge Amado (19122001), premiado em 1955, o artista norte-americano
Rockwell Kent (1882-1971), em 1966, o médico e político chileno Salvador
Allende (1908-1973), em 1972, o expresidente soviético Leonid Brejnev
(1906-1982), que recebeu o prêmio no mesmo ano, e a ex-primeiraministra da
Índia, Indira Gandhi (1917-1984), em 1983.
O
Prêmio Lenin da Paz, apesar da semelhança de nome, não deve ser confundido com
o Prêmio Internacional da Paz (International Peace Prize), que é distribuído
pelo World Peace Council, ou com o Prêmio de Estado Soviético (USSR State
Prize), criado em 1941, que reconhece anualmente escritores, compositores,
artistas e cientistas soviéticos, e que durou também até 1991.
A
respeito do fim do embargo norte-americano, Fidel também se mostrou
intransigente. No começo do mês de maio de 2009, manifestou-se sobre o assunto
ao afirmar que o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter estava correto ao
afirmar que o fim de tal ação cabia exclusivamente a Cuba. Carter afirmara que
o atual presidente norte-americano, Barack Obama, devia acabar com as
restrições de todos os tipos contra a ilha e que o fim do embargo viria a
seguir. Fidel, que não deixa nenhuma ocasião passar, afirmou no seu artigo
intitulado O Único Ex-Presidente Americano que Conheci que "Carter tratou
de retificar durante seu mandato a pérfida história dos Estados Unidos contra
Cuba", e destacou os acordos conseguidos entre os dois países, como a
criação dos Escritórios de Interesses em Havana e em Washington. Mas afirmou
que "um eventual fim do embargo econômico depende também de Cuba".
Enquanto
isso, os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que se preparam para reabrir o
comércio com Cuba, também mantêm o país como um dos quatro no mundo
considerados como refúgio de terroristas, ao lado de Sudão, Irã e Síria. Pelo
jeito, Fidel e sua filosofia ainda reinarão por algum tempo. Talvez nem mesmo
possamos ver o dia em que os dois países voltarão a realizar comércio, tendo em
vista que as sementes do diálogo ainda parecem precisar de algum cuidado para
germinarem.
Sérgio Pereira Couto, Revista Leituras
da História, Edição nº 22/2009.
Enviado por: Profº Marcelo Osório
Costa, 3/7/16.