Pesquisar

domingo, 31 de julho de 2016

Música: 1763: Rio de Janeiro, a nova capital brasileira.

Clique no link abaixo para a matéria sobre a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763.


Fonte: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/A-MUSICA-DO-DIA/434576-EM-1763-A-CAPITAL-DO-BRASIL-FOI-TRANSFERIDA-DE-SALVADOR-PARA-O-RIO-DE-JANEIRO.html.

Enviado por: Profº Marcelo Osório.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Soberano ou sitiado?

“Levo o pesar de não ter podido fazer todo o bem que pretendia”. A impotência manifestada por Getulio Vagas em sua carta de despedida, em 1954, dá o que pensar. Será que o presidente da República não tem tanto poder como costumamos imaginar?
A resposta é: depende. Teoricamente, o presidencialismo é um regime político baseado na separação entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Na prática, porém, a maioria das experiências desse regime tem operado de modo diferente. É o caso de boa parte dos países da América Latina. Desde que Simón Bolívar declarou, em 1826, que “os novos Estados da América precisam de reis com o título de Presidente”, a região se caracteriza pelo acúmulo de poder no mais alto cargo do Executivo.
O hiperpresidencialismo, como o fenômeno passou a ser chamado, contraria o conceito original de presidencialismo. Por isso, há quem defenda até mesmo uma redefinição do que seria o regime: não mais associado à separação de poderes, apenas ao mandato fixo e com tempo determinado do governante.
A concentração do poder, porém, não é garantia de estabilidade política. Ao longo do século XX os países latino-americanos sofreram ondas de grande instabilidade. Mesmo presidentes poderosos como Vargas (1930-1945 e 1951-1954) e o argentino Juan Domingo Perón (1946-1955 e 1973-1974) deixaram o cargo antecipadamente por causa de golpes de Estado. A partir da década de 1980, ao mesmo tempo em que a democracia se consolidava em quase todo o continente, cerca de vinte presidentes abandonaram a função antes de acabar seu mandato por conta de impeachments no Congresso ou de mobilizações populares.
Este fenômeno – em que o chefe de Estado cai, mas não a democracia – foi chamado de “nova instabilidade política” e tem duas caraterísticas. Em primeiro lugar, já não são os militares que decidem a sucessão presidencial, mas o Congresso ou o Judiciário, pautados pela Constituição. Em segundo lugar, este novo padrão não afeta toda a região, apenas alguns países. No Chile, na Colômbia, na Costa Rica, no México e no Uruguai, todos os presidentes do último quarto de século chegaram ao fim de seus mandatos. Enquanto isso, na Argentina, na Bolívia, no Equador e no Paraguai as interrupções presidenciais têm sido frequentes. No Brasil, desde a redemocratização, dois vice-presidentes tiveram que completar períodos constitucionais – José Sarney, de 1985 a 1990, e Itamar Franco, entre 1992 e 1994 – e em 2016 novamente o país vive um processo de impeachment.
Com o hiperpresidencialismo de um lado e a instabilidade política de outro, pode-se avaliar os poderes de um presidente latino-americano a partir de dois critérios: as competências previstas pela Constituição – como a iniciativa legislativa, o poder de veto e a possibilidade de emitir decretos – e a base de apoio político, que depende da sustentação partidária no Congresso.
Na Argentina, como em todos os regimes presidencialistas estabelecidos durante o século XIX, a Constituição promulgada em 1853 foi uma réplica da norte-americana. Porém o seu redator, Juan Bautista Alberdi, tinha se inspirado no chileno Diego Portales para aumentar os poderes do chefe do Executivo. O objetivo era combater a anarquia dos caudilhos das províncias e fomentar o desenvolvimento de um território enorme e despovoado. O presidente ganhou autoridade para remover ou suspender governos provinciais e declarar o estado de sítio e, mais tarde, para introduzir medidas legislativas. Essas competências, somadas a repetidos golpes de Estado que clausuraram o Legislativo e ao recorrente estado de emergência a partir de 1930, acabaram conduzindo à hipertrofia dos poderes presidenciais. Entre 1930 e 1983, o Congresso funcionou apenas durante 31 anos. Em contraste, o Executivo e o Judiciário não deixaram de existir, preservando uma continuidade legal e funcional. Mesmo que os golpes militares tenham derrubado o presidente, seus ministros e, normalmente, todos os juízes do Supremo Tribunal, o número de ministros e magistrados raramente era alterado.
No Brasil, a concentração do poder na Presidência tem também raízes no século XIX. Herdeira do Império, a República inaugurada em 1889 tinha a marca do papel central do chefe de governo em relação à legislatura. O momento de virada viria em 1930: a ascensão de Getulio Vargas à Presidência gerou uma relação mais direta entre o Estado e a sociedade. Em seguida à efêmera Segunda República (1930-1936), que criou a expetativa de desenvolver freios e contrapesos, o Estado Novo (1937-1945) contribuiu para a recentralização do poder no Estado e, dentro dele, no Executivo.
Comparado com as ditaduras argentina e chilena, o governo militar brasileiro iniciado em 1964 tinha suas peculiaridades. Um Executivo não eleito coexistia com um Congresso operante (apesar de fraco) e eleições populares no nível local. Tal convívio influenciaria o processo de democratização, em parte porque a contínua atividade parlamentar permitiu a sobrevivência das elites tradicionais, mas também por conta da criação de novos partidos. Os futuros presidentes Tancredo Neves, José Sarney, Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, foram parlamentares durante a ditadura.
A Constituição de 1988 concedeu ao presidente brasileiro maior autonomia institucional. Além de poderes reativos, como o veto, ele recebeu proativos, como as medidas provisórias. Por meio delas, o chefe do Executivo é autorizado a promulgar uma legislação por iniciativa própria em casos de relevância ou urgência. Reforça-se, assim, a tradição política brasileira segundo a qual “o Executivo age e a legislatura reage”. O afastamento de Collor, em 1992, deve ser entendido como uma exceção, resultante de um escândalo público e do escasso apoio partidário ao presidente. O impeachment de Dilma Rousseff, por sua vez, tem relação direta com as dificuldades do chamado “presidencialismo de coalizão”.
O exemplo dos Estados Unidos sugeria que só o bipartidismo garante a maioria congressional, sem a qual o presidente não pode governar. A combinação entre presidencialismo e multipartidarismo tem sido considerada um desafio para a estabilidade e a governabilidade democráticas. Ainda assim, tornou-se não apenas predominante como sustentável em toda a América Latina. O problema é contornado por meio de coligações governamentais, recurso de que os presidentes lançam mão para obter apoio no Congresso. No “presidencialismo de coalizão” o chefe do Executivo torna-se simultaneamente líder, árbitro e alvo das divergências entre os partidos – e, eventualmente, as regiões – que constituem a coligação.
Mesmo que a indisciplina partidária seja inimiga de coligações estáveis, no Brasil, do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (iniciado em 1995) ao segundo mandato de Dilma (iniciado em 2015) as coalizões apoiaram as iniciativas presidenciais, encorajadas pelos poderes legislativos que o presidente usa de modo a controlar, e não apenas a contornar, os processos no Congresso. Quanto à estrutura governamental, o papel central é também do presidente, que costuma reservar uma parte desproporcional do gabinete e dos ministérios mais importantes para o seu partido e para funcionários que respondem unicamente a ele. Por estes meios, ao longo das últimas décadas os presidentes brasileiros desenvolveram uma estratégia mais cooperativa do que conflituosa em relação ao Congresso – mas nem por isso renunciaram às suas atribuições, seguindo no controle da agenda legislativa. Os escândalos do mensalão e do petrolão vieram mostrar que, na construção de coalizões de governo, os presidentes não se basearam apenas nas suas competências constitucionais e no seu poder partidário, mas também nos recursos do Estado, por vezes de maneira legal e por vezes não.
Na Argentina, em contraste, a maioria permanente do peronismo no Senado favorece os governos deste partido, enquanto os presidentes não peronistas enfrentam um Congresso opositor. Nem Raúl Alfonsín (1983 a 1989), nem Fernando De la Rúa (1999 a 2001), ambos do partido Radical (UCR), conseguiram finalizar os seus mandatos constitucionais, em parte devido à condição minoritária da sua base de apoio parlamentar.
Andrés Malamud, Revista de História da Biblioteca Nacional, Edição nº 123, maio/2016.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa.

domingo, 10 de julho de 2016

Filme: Nós que aqui estamos, por vós esperamos.

Filme brasileiro de 1999 sob a direção de Marcelo Massagão, o qual traz memórias do século XX e retrata uma verdadeira volta ao mundo no seu contexto histórico, econômico e cultural.


Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa.

Música: Era um Garoto Que, Como Eu...



Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 10/71/6.

Música : A paz.


Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 10/7/16.

sábado, 9 de julho de 2016

7 perguntas que você provavelmente se faz sobre o ramadã, mês sagrado para os muçulmanos.

Começa hoje ao redor do mundo o mês sagrado do ramadã, durante o qual muçulmanos jejuam entre o nascer e o pôr do Sol. É um período importantíssimo em países islâmicos não apenas como ritual religioso, mas também como tradição cultural. Há uma série de costumes típicos desse período, e também pratos específicos para o desjejum.
Mas o que significa tudo isso, e por que afinal muçulmanos – mais de 20% da população mundial– deixam de alimentar-se durante este mês? O, Mundialíssimo blog, responde abaixo a sete perguntas sobre o ramadã, para quem nunca entendeu do que se trata essa tradição.
O que muçulmanos celebram durante o mês do ramadã?
O mês do ramadã marca o período durante o qual o Alcorão, o livro sagrado do islã, foi revelado ao profeta Maomé no século VII. O Alcorão tem um papel central na religião muçulmana, e seu surgimento é um marco da história dos povos árabes. O período anterior ao islã é conhecido, em árabe, como “ignorância”.
O que acontece durante esse período?
O jejum durante o ramadã é um dos cinco pilares do islã, e exigido de muçulmanos praticantes. O mês é marcado também pela abstenção do sexo durante o dia e pelas boas ações. Há pessoas que não seguem a tradição, a depender da família e do indivíduo, mas em países conservadores é de bom tom não comer ou beber nada em público. Diversos estabelecimentos fecham, ou modificam seus horários de atendimento, alterando toda a rotina da comunidade.
Todo o mundo mesmo precisa jejuar?
Não. Há uma série de isenções, como aos idosos, aos enfermos, às crianças e às mulheres grávidas ou em período de menstruação. O jejum tem efeitos na saúde, e pode ser perigoso de acordo com a pessoa. Períodos mais curtos de sono também preocupam a comunidade médica durante esse mês.
Deve ser uma loucura na hora de quebrar o jejum, quando anoitece…
As refeições pós-ramadã, chamadas “iftar”, são conhecidas pela fartura. A maneira tradicional de começar o desjejum é beber água e comer tâmaras. Há também uma bebida típica chamada Qamar al-Din, preparada a partir de uma pasta de damasco. Há rezas específicas, e leituras de trechos do Alcorão. Mesquitas organizam banquetes públicos, durante o mês. A refeição pela manhã antes do jejum, chamada “suhur”, é também tradicional.
Mas por que tudo isso?
A ideia é lembrar os fiéis das agruras daqueles que sofrem durante o restante do ano. O islã tem um forte componente comunitário. Também se espera que o muçulmano se aproxime da religião, durante o mês do ramadã. Como efeito colateral do longo tempo passado em casa, o número de espectadores de televisão atinge recordes , e as telenovelas de ramadã são um fenômeno cultural em países como o Egito e a Turquia.
Quando exatamente é o ramadã?
Depende. O calendário islâmico é lunar, e não solar. Isso significa que os meses variam em relação ao calendário gregoriano que usamos, por exemplo, no Brasil. O ramadã só começa quando a lua nova é vista nos céus, e dura entre 29 e 30 dias, de acordo com a rede de TV árabe Al Jazeera . A cada ano, o mês se inicia cerca de 11 dias mais cedo.
A variação da data é importante?
Sim. Imagine que, durante este mês, os muçulmanos que respeitem a tradição do ramadã não poderão comer ou beber nada entre o nascer e o pôr do Sol. É um cenário bastante difícil quando o ramadã coincide com o verão. O Cairo tem registrado temperaturas acima dos 40º C, e os dias são mais longos nesta época do ano. Segundo o jornal britânico “Guardian”, este ramadã será especialmente complicado no hemisfério norte. Na Espanha, por exemplo, o jejum vai durar cerca de 17 horas.
Folha de São Paulo, 6/6/16.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 9/7/16.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

No balanço malicioso do lundu.

 “Eu tenho uma nhanhazinha/ De quem sou sempre moleque/ Ela vê-me estar ardendo/ E não me abana c’o leque.” Esta é a letra de um antigo lundu, gênero musical que estudiosos apontam como o avô do samba. Outra composição diz o seguinte: “Se sinhá quer me dar/ eu cá estou pra apanhar/ vem ferir vem matar/ teu negrinho aqui está/ mas depois de apanhar/ quer fadar com iaiá”. Os versos, como se vê, revelam uma curiosa mistura de valores antagônicos: sadismo e amorosidade, violência e desejo.
No segundo lundu, o negro propõe à sua senhora um pacto através do qual sua posição de subserviência e inferioridade como escravo se atenua no momento em que revela seu interesse final de “fadar”, expressão que remete à dança do fado, mas que também pode ter conotação sexual. A violência da escravidão é ao mesmo tempo suavizada pelo discurso amoroso, transformando o maltratado em cúmplice do próprio algoz. O negro aqui não apanha de forma passiva. Ele provoca e, com isso, é capaz de revelar o percurso que vai da dor ao prazer, de seduzido a sedutor.
Esse gênero musical tem uma longa história entre nós. A primeira música gravada no Brasil, em 1902, foi o lundu Isto é bom, de autoria de Xisto Bahia (1841-94), interpretado pelo cantor Baiano (1870-1944). A essa altura, o lundu já se havia popularizado como atração humorística, executada ao violão pelos palhaços de circo. Na segunda metade do século XIX, ou seja, algumas décadas antes do advento da indústria fonográfica, o lundu já exercera, também, papel importante no teatro de revista, gênero dramático que acabou por incorporar personagens, tipos e criações musicais relacionados às camadas populares.
O lundu é, no entanto, mais antigo que isso. Sua origem remonta ao século XVIII, quando passou a fazer sucesso tanto no Brasil quanto em Portugal, paralelamente à difusão das modinhas. O termo lundu, entretanto, surge apenas no século XIX, mais especificamente a partir de 1834, quando se inicia a impressão musical no Brasil. A partir do comércio de partituras, surge a demanda pela diferenciação de gêneros na própria música brasileira, e o lundu aparece para designar canções com características bastante definidas e reconhecidas por compositores, editores e público.
Além da malícia e da sensualidade, já presentes em algumas modinhas, o lundu se distingue por expressar-se através do ritmo sincopado, originário da cultura africana, e pelo tom humorístico das letras. Ao longo do período que vai da segunda metade do século XVIII ao início do século XX, passou por transformações significativas no que diz respeito à temática. A princípio, o gênero se distinguia por unir o humor a referências ao universo afro-brasileiro. Nos lundus gravados no início do século XX, entretanto, o que se apresenta são textos humorísticos de assuntos variados. 
Segundo o pesquisador José Ramos Tinhorão, a palavra lundu tem sua origem em calundu, dança ritual africana às vezes também chamada de lundu. O termo está, portanto, relacionado aos batuques dos negros, e é compreendido inicialmente como dança: uma combinação entre a umbigada africana e o fandango europeu.  Mas logo o ritmo da dança vai dar origem ao lundu-canção. Este gênero deve sua difusão em Portugal ao poeta Domingos Caldas Barbosa, que o tornou popular na metrópole quando foi estudar na Universidade de Coimbra, em 1763.
Filho de um português com sua escrava trazida de Angola, o poeta, nascido em 1740, passou a infância no Rio de Janeiro como um dos inúmeros mestiços de uma população que assistia aos processos de modernização e à emergência de novas formas de divertimento no espaço urbano. Embora tenha sido Domingos Caldas o divulgador do lundu em Portugal, não é possível afirmar que todas as canções que tocava com sua viola de arame eram de sua autoria. Há a hipótese de que o poeta as tenha recolhido no Brasil nas diversas manifestações de cunho popular.
Domingos Caldas Barbosa foi um dos fundadores da Nova Arcádia, em Lisboa, no ano de 1790.  No primeiro volume de sua obra Viola de Lereno, o poeta se apresenta como o pastor Lereno Selinuntino. Caldas é, portanto, um dos representantes da estética árcade, estilo literário predominante na segunda metade do século XVIII que contrasta inteiramente com os lundus que apresenta. Enquanto o arcadismo (ou neoclassicismo) se inspirava na lendária região da Grécia Antiga dominada pelo deus Pari e habitada por pastores, os lundus encenados por Domingos Caldas traziam elementos da cultura brasileira. Consta que, nos próprios encontros da Nova Arcádia, o tocador de viola comportava-se de forma transgressora, ao cantar os maliciosos lundus após a leitura das peças compostas dentro dos rigores neoclássicos. Em função disso, no segundo volume de Viola de Lereno, publicado 26 anos após a morte do poeta, desaparece o pastor e surge a figura do negrinho ou moleque.
Há singularidades nos lundus do final do século XVIII, principalmente naqueles atribuídos a Domingos Caldas, que merecem atenção especial no que diz respeito às letras. Estas colocam em cena aquele tipo de escravo que se dirige à sua senhora chamando-a carinhosamente de “sinhá”, “nhanhá’ ou  “iaiá”. 
O primeiro aspecto que pode ser percebido diz respeito ao caráter ilícito da relação encenada pelo lundu, bem como à desigualdade entre os amantes, já que os personagens envolvidos são o cativo e sua ama. O lundu é, portanto, uma forma de canção que traz  para o centro da atenção da metrópole portuguesa e da Colônia o negro escravo, que subverte e desafia a rigidez dos valores sociais vigentes. Isso através de um discurso amoroso que, ao desviar-se do discurso presente nas modinhas, reelabora elementos advindos da própria cultura escravocrata.
Ressalte-se, em primeiro lugar, que as relações entre senhores e escravas são amplamente documentadas devido, sobretudo, aos inúmeros nascimentos de filhos de negras oriundos desses relacionamentos. Entretanto, pouco se registra das relações entre as senhoras, donzelas ou casadas, com seus escravos. E é justamente essa forma de contato que predomina nos lundus do século XVIII, através do discurso negro masculino. Nesse sentido, o lundu pode ser interpretado como a evidência de um aspecto censurado da cultura colonial.
Mas há mais: em alguns casos, bastante significativos, o lundu coloca em cena um jogo de sedução entre negro e senhora em que a temática da violência surge de forma bastante marcante. No segundo volume de Viola de Lereno, de Domingos Caldas, apresentam-se estrofes tais como “Eu tenho uma nhanhazinha/ Que eu não a posso entender/ Depois de me ver penar/ Só depois diz que me quer”. Registra-se aqui o uso do diminutivo no tratamento à senhora, carinhosamente coloquial e que, por si só, demarca um campo de intimidade que subverte a relação de poder. Mas, ao mesmo tempo, o interesse da senhora é apresentado como algo ambivalente, do qual participam simultaneamente desejo e sadismo.
O lundu no século XVIII pode, portanto, ser visto como uma cantoria que permite vir à tona a temática da violência da escravidão escamoteada pela superfície do discurso amoroso, da linguagem dengosa e da leveza marcada por uma forma de humor acentuada pelas rimas. Há uma constante ambivalência entre um sofrimento vivenciado em função da falta de reciprocidade amorosa e a dor causada pela própria condição de escravo. Ambivalência que vai sendo sublinhada ao fim de cada estrofe em que o negro repete o refrão: “Ai céu!/ Ela é minha iaiá/ O seu moleque sou eu”.  
O lundu não coloca em cena apenas relações entre negros e senhoras, mas estabelece um jogo de sedução com os públicos português e brasileiro que têm no humor, na jocosidade, uma forma de lidar com a problemática da escravidão. É pelo viés da temática amorosa, já familiar através da modinha, à qual se acrescenta o humor como ingrediente, que a platéia pode entrar em contato com uma ambivalência que reside tanto na amorosidade encenada quanto em sua própria relação com a realidade escravocrata.  
Na coletânea As modinhas do Brasil – pertencente ao acervo da Biblioteca da Ajuda, de Lisboa, e revelada ao público em 1968 pelo pesquisador Géhard Behágue – encontra-se outra canção em que a união entre sedução e violência adquire novas nuanças. Trata-se de Os me deixas que tu dás em que o negro diz à senhora: “Muito gosto nhanhazinha /de andar bulindo contigo/ quando vejo que comigo/ tu estás enfadadinha/ ficas tão muganguerinha/ que muito me satisfaz/ e se mando que te vás/ depois te torno a prender/ é somente para ver/ os me deixas que tu dás”.
Este lundu parece colocar no centro da atenção a fragilidade feminina da senhora, de forma que se dá uma total inversão na relação de poder. É o desejo do negro que se sobrepõe ao de “nhanhazinha”. O negro explicita a rejeição da sinhá, mas, ao mesmo tempo, se sente atraído por esta rejeição, pela insatisfação da senhora diante de seu assédio. Por outro lado, os diminutivos “enfadadinha” e “mugangueirinha” (aquela que faz “mugangas”, ou caretas) permitem perceber que o escravo interpreta a negativa como parte de um jogo de sedução. Além disso, o negro demonstra lançar mão não só do assédio, de quem “anda bulindo”, mas de força física, ao “prender”. O escravo exerce força sobre a senhora, de quem dispõe como a um objeto, em um jogo sádico sublinhado pela circularidade do lundu, que começa e termina com o mesmo verso, como a reproduzir a forma repetitiva com que se dá a tortura à sinhá.   
Essas formas de lundu permitem falar, através do discurso do negro, de outro tabu. Torna-se tema a própria sexualidade da mulher branca, que, de uma forma ou de outra, é representada como participante de jogos de sedução com seus escravos. Está em jogo, dessa forma, um desafio à própria moral vigente na época, principalmente no que diz respeito ao papel da mulher na sociedade. O humor dos lundus advém, em parte, das cenas transgressoras e maliciosas que apresentam, em estrofes sempre marcadas pela leveza e pela graciosidade. O surpreendente e curioso é que estas formas consigam trazer à tona questões complexas como a escravidão e a violência, temas que encontram no tom humorístico o viés possível de visibilidade, ainda no século XVIII. 
É então nos lundus que se expõem essas ambivalências amorosas, em que violência e sedução se tornam cúmplices e indissociáveis. A receptividade que essa forma de canção encontra em Portugal leva à compreensão do lundu como evidente traço diferencial entre metrópole e Colônia. Ao mesmo tempo, é através dele que a Colônia elabora criativamente as contradições da tradição escravocrata e ensaia o reconhecimento do papel crucial da africanização na cultura brasileira.
Tereza Virginia de Almeida, Revista de História da Biblioteca Nacional, Edição nº 8, março/2006.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa,6/7/16.

Vídeo: Universidade pública deve ter mensalidade?

Tamara Naiz, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, e Leandro Tessler, físico da Unicamp, responsável pelo programa de ação afirmativa da universidade, discutiram o pagamento de mensalidades em universidades públicas.


Postado por: Profº Marcelo Osório Costa, 3/7/16.

Vídeo: Fordlândia.

Há 15 anos, quando uma notícia de jornal chamou sua atenção, o diretor Marinho Andrade não sabia o que ia encontrar na perdida Fordlândia. Depois de sucessivas viagens ao vale do Tapajós, no interior do Pará, o documentário Fordlândia está pronto para ser lançado em maio deste ano. “Fiz um filme sobre os homens que viveram nesta cidade, sobre as dificuldades que encontraram”, explica. 
Em 1928, nascia Fordlândia, uma cidade de estilo americano em plena floresta tropical. “Dois navios vieram dos Estados Unidos com tudo o que era preciso para construir uma cidade, inclusive uma usina de força”, afirma Marinho. Pensando em se livrar do monopólio inglês do látex, o empresário americano Henry Ford conseguiu uma concessão do governo brasileiro para plantar seringueiras que forneceriam a borracha necessária para suas fábricas de automóveis.
Fordlândia surpreendia com modernidades como sistema de água e esgoto, energia elétrica, telefone, fábrica de gelo, escolas, serraria e hospital. “Havia um hospital modelo com mais de cem leitos. O primeiro implante do Brasil foi feito em Fordlândia”, afirma o diretor, que também visitou os Estados Unidos atrás de ex-moradores da epopéia tropical. Um deles é Charles Townsend, de 68 anos, que viveu em Fordlândia até os 14 anos. “Ele se reencontrou com sua babá, dona Amélia, que ficou muito emocionada ao revê-lo”, revela.
Testemunha do aparecimento da cidade, Eimar Franco, de 90 anos, conta no filme como foram os 15 dias de queimada que precederam a construção da cidade americana. “Faíscas atravessavam os três quilômetros que ligam Belterra a Fordlândia”, afirma o morador, para as lentes de Marinho, que não deixaram de captar a situação de abandono em que se encontra Fordlândia. “Depois que os seringais de Ford foram tomados pela praga, nos anos 40, a cidade foi abandonada pelos americanos e hoje está sendo depredada por moradores da região”, revela.
Revista de História da Biblioteca Nacional, Edição nº 7, janeiro/2006.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 6/7/16.


segunda-feira, 4 de julho de 2016

Vídeo: Mudanças na Previdência.

A advogada Adriane Bramante, especializada em direito previdenciário, abordou as principais questões sobre o que pode mudar na aposentadoria e no regime de pensões com a reforma previdenciária.


Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 4/7/16.

domingo, 3 de julho de 2016

Vídeo: O mito Lula.

William Waack recebe Bolívar Lamounier, Fátima Pacheco Jordão e Daniel Aarão Reis para discutir o mito Lula, seu papel histórico e as possibilidades nas eleições de 2018.


Postado por: Profº Marcelo Osório Costa, 3/7/16.

Vídeo: Brasil pós-Lava-Jato.

Modesto Carvalhosa, professor da Faculdade de Direito da USP, Pierpaolo Bottini, advogado e professor de Direito Penal da USP, e Roberto Romano, professor de Ética e Política da Unicamp, analisam a Lava-Jato.


Postado por: Profº Marcelo Osório Costa, 3/7/16.

Vídeo: Conheça o Estado Islâmico.

Documentário sobre o grupo radical muçulmano, Estado Islâmico, ativo no Iraque e na Síria; apresenta sua táticas, metas e praticas cruéis de dominação, contra cristão e não-muçulmanos.

  

Postado por: Profº Marcelo Osório Costa, 3/7/16.

Fidel, da Revolução à Ditadura.

Fevereiro de 2008. Os jornais noticiam a reação mundial à renúncia de Fidel Castro à presidência de Cuba. O secretário de Estado da França, Jean-Pierre Jouyet, declara que seu país espera que a decisão de Castro "abra um novo caminho e que exista mais democracia no país - o castrismo tem sido o símbolo do totalitarismo". Já a secretária de Estado espanhola para a Ibero-América, Trinidad Jiménez, disse que "esse é o momento em que Raúl Castro vai poder assumir com mais capacidade, solidez e confiança esse projeto de reformas. Ele mesmo já havia falado isso, e creio que poderia começar a realizar agora esse grupo de reformas".
Em resumo, as principais nações fizeram questão de se manifestar quando a notícia correu pelo mundo. As reações foram as mais variadas possíveis, mas todas pareciam apontar para uma unanimidade: Cuba necessitava de uma oportunidade para finalmente se democratizar. E a renúncia de Fidel parecia ser o momento que todos aguardavam com ansiedade.
Historiadores como o argentino José Ignacio García Hamilton (1943-2009) afirmam que Fidel teve uma trajetória política semelhante à de líderes latino-americanos do século XIX, como José de San Martín (1778-1850) e Simón Bolívar (1783-1830). Hamilton explica que os dois exemplos históricos chegaram ao poder pela libertação de seus povos, mas que depois tentaram ficar em caráter permanente nas lideranças. Fidel seria um terceiro exemplo e o mais perigoso deles, já que ele se tornou, na opinião do historiador, "um ditador pior do que seu principal inimigo, Fulgêncio Batista (1901-1973)", que foi derrubado pela Revolução Cubana, em 1959. Para Hamilton, a única diferença entre Fidel e Fulgêncio foi o tempo de permanência no poder - quesito em que o primeiro ganha de disparada.
A exemplo de tantos outros líderes políticos, Fidel Castro continua a ser uma figura polêmica. Há quem ou ame e há quem o odeie, mas dificilmente encontra-se um meio-termo. O líder do Partido Comunista da Federação Russa, Guennadi Ziuganov, chamou o ex-presidente cubano de "político genial, responsável e valente em nome dos interesses de seu país e seu povo". Mas, afinal, o que Fidel tem, capaz de despertar tantos sentimentos diferentes?
Juventude e vida de estudante.
Nascido em 13 de agosto de 1926, no pequeno povoado de Birán, hoje conhecido como Província de Holguín, localizado na parte leste de Cuba, Fidel é filho de um imigrante espanhol e latifundiário vindo da Galiza, chamado Ángel Castro, e de uma trabalhadora que conseguiu emprego em sua fazenda, Lina Ruz. Aos 4 anos de idade foi enviado para Santiago de Cuba pelo pai e foi batizado somente aos 8 anos, com o nome de Fidel Hipólito. Apenas quando completou 17 anos foi reconhecido oficialmente e registrado com seu nome definitivo: Fidel Alejandro Castro Ruz. Seu pai ainda teve dois filhos com a primeira esposa e mais três com a mãe de Fidel, entre eles o sucessor no governo cubano, Raúl Castro.
Sua infância é envolta em histórias curiosas, como a que narra sua incrível capacidade de memorização. Diz-se, inclusive, que ele podia memorizar livros inteiros. Canhoto, foi educado em colégios jesuítas como o La Salle e o Dolores, ambos em Santiago, e o Colegio Belén, de Marianao. Chegou até a exercer a função de coroinha. Além disso, foi premiado como melhor atleta estudantil secundarista em 1944, posição obtida devido à sua altura e físico. Também praticava beisebol, o esporte nacional cubano.
Em 1945, entrou para a Universidade de Havana e, durante o segundo ano do curso, editou com Baudilio Castellanos o periódico mensal Saeta, impresso em mimeógrafo e distribuído gratuitamente, no qual reproduzia conferências de classes. Não demorou muito para que o jovem Fidel se acostumasse a ser líder estudantil. Formou-se em Direito em 1949, mas não antes de ser dirigente da Federação de Estudantes Universitários (FEU) e participar de alguns eventos, como a expedição frustrada, em 1947, de Cayo Confites contra a ditadura de Rafael Leónidas Trujillo (1891-1961), na República Dominicana. Fidel também colaborou com o Congresso Latino-Americano de Estudantes, que aconteceu simultaneamente com a IX Conferência Panamericana, em 1948, em Bogotá, que o permitiu manter contato com o intelectual e cineasta cubano Alfredo Guevara, um dos fundadores do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC), criado em 1959.
Já formado em Direito, casou-se com a estudante de Filosofia Mirta Diaz-Balart, em 1948, de quem se divorciou seis anos depois. O filho dessa relação, Fidel Castro Diaz-Balart, também conhecido como Fidelito, nasceu em 1949 e trabalhou como chefe da comissão de energia atômica do país. Hoje é físico nuclear e assessor científico do governo cubano.
Pouco tempo depois, em 1956, nasceu Alina Fernández, fruto de um caso extraconjugal que Fidel manteve com Natalia Revuelta. Alina só soube que era filha do ditador quando tinha 10 anos, e hoje vive como exilada nos Estados Unidos, terra que adotou desde 1993. A irmã de Fidel, Juanita Castro Ruz, também é exilada política e vive na mesma cidade.
O surgimento de um mito.
Depois de concluir os estudos universitários, Fidel se dedicou a defender de todas as formas possíveis aqueles que se manifestavam contra o governo então vigente no país. Qualquer um que atacasse trabalhadores e sindicatos era denunciado, e isso apenas durante o governo de Carlos Prío Socarrás (1903-1977), famoso por seus atos ilegais e corrupção. As denúncias eram feitas por meio do jornal Alerta e das emissoras de rádio Álvarez e COCO.
Em seguida, Fidel se vinculou ao Partido do Povo Cubano, liderado por Eduardo Chibas (1907-1951), de onde sairia candidato a representante nas eleições de 1952. O golpe de Estado liderado por Fulgêncio Batista, em março daquele ano, assunto abordado por Fidel em artigo publicado no jornal La Palabra, foi a mola motriz que o convenceu de que era necessário buscar formas diferentes de ação para "transformar a sociedade cubana", como ele mesmo disse.
Logo após o golpe, Fidel imprimiu em mimeógrafo e distribuiu de maneira clandestina sua denúncia contra o golpe. Com outros jovens que editavam e imprimiam o jornal clandestino Son los Mismos, trocou o nome do veículo para El Acusador e tornou-se coeditor, assinando seus artigos apenas com seu segundo nome, Alejandro, o mesmo que mais tarde usaria para rubricar suas mensagens e correspondências. Foi desse mesmo grupo que saíram os participantes que, sob suas orientações, atacariam o Quartel Moncada, em 26 de julho de 1953. Estavam lançadas as sementes do Movimento Revolucionário 26 de julho, conhecido pela abreviação M-26-7. Porém, a empreitada foi um fracasso. O que virou lucro nessa história foi o fato de que a reputação nacional de Fidel cresceu muito. Suas ideias, na época, eram consideradas como nacionalistas, anti-imperialistas e reformistas.
Fidel foi julgado e condenado a 15 anos de prisão. Nessa ocasião, proferiu seu mais famoso discurso, conhecido como "A história me absolverá". Ele havia assumido a própria defesa, que mais tarde foi impressa e distribuída clandestinamente. Foi cumprir sua pena na prisão de Boniato, em Santiago, e mais tarde foi transferido para o Presídio Modelo, em Isla de Pinos, hoje Isla de La Juventud, localizada no extremo oeste de Cuba. Ele deixou a cadeia em maio de 1955 graças a uma anistia. Partiu para o exílio no México, onde fundou oficialmente o M-26-7.
Fidel prometia, em breve, voltar ao país e combater o regime de Batista. Começou então a publicar mais artigos em jornais como o La Calle e o semanário Bohemia, além de realizar aparições em rádio e TV. Enquanto isso, o movimento revolucionário era estruturado em escalas nacional e internacional.
Não demorou muito para que seus artigos começassem a ser censurados e logo seus canais de expressão foram cortados. Apenas dois meses depois de voltar de seu primeiro exílio no México, Fidel começou a trabalhar na preparação daqueles que o acompanhariam em sua luta. Para tanto, dedicou-se a aumentar sua participação em atividades políticas e escreveu o chamado Manifesto Número Um do M-26-7. Esse texto circulou de maneira clandestina pela ilha toda e firmou o chamado Pacto do México, feito com a participação de José Antonio Echeverría, presidente da FEU. Essa seria a principal força que se opunha ao governo de Fulgêncio Batista.
A fortuna do comunista.
N ão é apenas na política que Fidel Castro é polêmico. Como todo líder de governo e figura pública, seu patrimônio é um assunto que chama a atenção de todos. A Forbes, revista norte-americana de economia, publicou uma lista em 2005 colocando Fidel entre as pessoas mais ricas do mundo. Segundo a publicação, a fortuna do ex-presidente gira em torno de US$ 550 milhões. O texto levantou diversas hipóteses sobre como o político teria acumulado tanto dinheiro. Para a publicação, o montante citado seria resultado da soma do patrimônio das empresas estatais do governo de Cuba. Assim, Fidel teria conquistado toda essa riqueza a partir de "uma rede de negócios pertencentes ao Estado", entre eles o Palácio de Convenções, um centro próximo a Havana; o conglomerado do setor de varejo Cimex; e o Medicuba, que vende vacinas e outros produtos farmacêuticos produzidos em Cuba.
A Forbes afirmou ainda que Fidel viaja exclusivamente em comboios de carros da marca alemã Mercedes-Benz e que ele teria recebido US$ 50 milhões em 1993 pela venda da fabricante estatal de rum Havana Club para a francesa Pernod Ricard. No entanto, o cálculo da Forbes não passa de especulação, já que a própria revista admitiu não ter provas sobre a existência de contas no exterior em nome de Fidel. Porém, os editores da publicação insistiram na existência de uma "fortuna" ligada a ele.
Fidel, claro, negou esse valor e ainda considerou a reportagem "uma infâmia". Ele ainda desafiou a revista a provar que há alguma conta dele no exterior de qualquer valor, em qualquer banco internacional. Se isso fosse provado, disse Fidel, ele renunciaria às suas funções no governo cubano. Nada até hoje foi confirmado e a Forbes ainda teve de aguentar a acusação feita por ele de ser ligada aos serviços de inteligência norte-americanos.
No mesmo período, Fidel foi aos Estados Unidos para obter o apoio dos imigrantes cubanos que lá viviam e chamou a atenção deles com discursos proferidos em Nova York e Miami. No final de 1956, partiu com dezenas de combatentes do porto mexicano de Tuxpan, em uma embarcação chamada Granma, e desembarcou em 2 de dezembro na praia de Las Coloradas. Ele e seus companheiros foram para Sierra Maestra, que se tornou a base do Exército Rebelde Cubano por mais de dois anos. A essa altura, Fidel já estava no posto de comandante-em-chefe do exército.
Com o financiamento e o apoio norte-americano, desenhou e guiou a estratégia de luta contra a ditadura batistiana, operação que teve o suporte da unidade de ação das forças opositoras revolucionárias. Entre os 81 rebeldes constava outro nome que entraria para a história, o do médico argentino Ernesto "Che" Guevara (1928-1967).
O exército de Fidel enfrentou vários combates e teve vitórias, orientou a criação de novas frentes guerrilheiras em Oriente e Las Villas e ainda trabalhou na preparação de leis fundamentais que deveriam promulgar-se, uma vez alcançado o sucesso. Suas ideias se espalharam em âmbito nacional e internacional por meio de alguns veículos como o jornal El Cubano Libre, a emissora Radio Rebelde e entrevistas para jornais e revistas do mundo inteiro.
O carisma de Fidel logo demonstrou ser uma arma poderosa. Depois da fuga do exército de Batista, que deixou Cuba em 1º de janeiro de 1959, Fidel passou a ser o chefe do governo, primeiro como primeiro-ministro, entre 1959 e 1976, e depois presidente do governo e primeiro secretário do Partido Comunista, de 1976 a 2008.
Toda a polêmica acerca de Fidel nos dias de hoje vem do período posterior ao da Revolução Cubana. Após a fuga do exército do ditador Batista, o líder revolucionário consolidou a vitória com uma marcha em direção a Havana, onde entrou uma semana depois. Foi então que o governo o nomeou comandante-em-chefe de todas as forças armadas, terrestres, aéreas e marítimas. Tornou-se primeiro-ministro no mês seguinte. Após a vitória, ele foi para os Estados Unidos. Cuba, sob a égide de Fidel, declarou-se Estado Socialista, em 1961. A União Soviética anunciou seu apoio econômico e militar ao novo governo ao adquirir a maioria do açúcar produzido na ilha. Desde então, Cuba passou a sofrer o embargo econômico norte-americano. Em abril daquele ano, vários cubanos exilados, financiados pelos Estados Unidos, tentaram sem sucesso derrubar o governo.
Em 1962 aconteceu a famosa Crise dos Mísseis Cubanos, e a situação com os Estados Unidos se intensificou. Isso, porém, não impediu que o governo começasse a criar um novo aparato estatal, com leis a favor de setores mais desfavorecidos, além da fundação de órgãos como o Instituto Nacional de Reforma Agrária (INRA) e instituições culturais, como a Imprensa Nacional de Cuba e o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC).
Quando anunciou sua renúncia ao cargo de primeiro-ministro, em julho de 1959, causada pelos problemas que enfrentava devido às exigências do então presidente Manuel Urrutia (1908-1981), que ia de encontro às leis e medidas revolucionárias, o povo cubano reagiu com a exigência da reincorporação de Fidel e a saída do presidente do poder. Fidel voltou ao cargo e continuou com os projetos, dentre eles a nacionalização de empresas estrangeiras, a Reforma Urbana, o desenvolvimento da indústria nacional e a diversificação agrícola, além da pioneira Campanha de Alfabetização. Também constavam em seus planos a nacionalização e a gratuidade do ensino em todos os níveis, a eliminação da saúde pública privada e do desporte profissional, a melhoria das condições de vida dos setores mais populares, o estabelecimento de vínculos com nações de todo o mundo e todos os sistemas sociais de governo.
Entre as associações que tiveram sua mão na criação ou na inspiração, encontram-se diversos grupos como a Associação de Jovens Rebeldes (ARJ), os Comitês de Defesa da Revolução (CDR), as Milícias Nacionais Revolucionárias (MRN), a União de Pioneiros de Cuba (UCP), a Federação de Mulheres Cubanas (FMC), entre outras de caráter seletivo e político. Fidel ainda teve tempo para redigir alguns textos que são considerados até hoje como fundamentais da história contemporânea de Cuba e até da América Latina, como os que pertencem ao conjunto da Primeira e da Segunda Declaração de Cuba, de 1960 e 1962, respectivamente. Quando houve a invasão mercenária organizada e financiada pelos Estados Unidos, em Playa Girón, no centro sul da ilha, foi Fidel quem dirigiu pessoalmente as tropas que os enfrentaram.
O grande ditador.
Cuba sempre cuidou de suas relações internacionais. Fidel embarcou em uma série de viagens por países da América Latina, Europa, África e Ásia. Todas essas visitas tinham o objetivo de representar o país em congressos, conferências, organizações e em encontros amistosos.
A presença de Fidel se destacou quando o comandante participou das cúpulas do Movimento de Países Não Alinhados, definido como um movimento que reúne 115 países (quantidade relativa a 2004), em geral nações em desenvolvimento, com o objetivo de criar um caminho independente no campo das relações internacionais, que permita aos membros não se envolverem no confronto entre as grandes potências. Fidel ainda se dedicou à divulgação de seus discursos, artigos e entrevistas em livros de própria autoria e compilações, além de filmes institucionais e participações em empresas de TV e rádio de Cuba e do exterior.
Com toda essa atividade, ganhou um prêmio que foi pouco divulgado, o Prêmio Lenin da Paz, em 1961. Também recebeu o título de Doutor Honoris Causa em várias universidades da Europa e da América Latina, além de condecorações por trabalhos em prol das relações com outros países. Um dos prêmios mais alardeados que ele conquistou foi o Mijaíl Shólojov, que lhe foi entregue em 1995 pela União de Escritores da Rússia.
A crise dos mísseis.
Conhecida como Crise Caribenha entre os russos e Crise de Outubro para os cubanos, a famosa Crise dos Mísseis de Cuba foi um dos episódios mais tensos da Guerra Fria, travada entre os norte-americanos e os soviéticos, desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) até a extinção da União Soviética, em 1991.
Tudo começou com uma resposta dos soviéticos à invasão de Cuba pelos Estados Unidos, em abril de 1961 (a Invasão da Baía dos Porcos), e à instalação de mísseis norteamericanos na Turquia. Cuba recebeu alguns mísseis soviéticos, o que fez os norte-americanos imaginarem que estavam sob a mira dessas armas.
Em outubro de 1962, os Estados Unidos divulgaram fotos de um voo secreto feito por eles sobre Cuba que revelava a existência de 40 silos que abrigavam os mísseis. As duas superpotências, EUA e URSS, pareciam à beira de uma guerra nuclear, pesadelo que atormentaria o mundo todo por um bom tempo. O governo de John Kennedy (1917-1963) encarou o fato como um ato de guerra contra seu país.
Nikita Khrushchev (1894-1971), então primeiro-ministro soviético, defendeu-se ao afirmar que os mísseis eram defensivos e que tinham sido instalados em Cuba para dissuadir outra tentativa de invasão da ilha. Os norte-americanos se sentiram muito ofendidos, afinal, os mísseis se encontravam a apenas 150 quilômetros de seu território. Kennedy pressionou Khrushchev a desativar as armas ou a guerra seria inevitável.
A crise durou 13 dias, terminando em 28 de outubro de 1962, quando Khrushchev, após conseguir secretamente uma retirada dos mísseis da Turquia, concordou em remover os que estavam em Cuba. Enquanto isso, os norte-americanos entraram em uma paranoia de guerra, a ponto de comprarem tijolos e cimento para a construção de abrigos antinucleares. Quando Kennedy anunciou a gravidade da situação em rede nacional de TV, muitos chefes de família dos Estados Unidos cavaram seus próprios abrigos nos jardins de suas casas para se protegerem do perigo nuclear, que na realidade nunca aconteceu.
Mas a popularidade de Fidel dentro e fora de Cuba é discutível. Ele chegou ao poder com o apoio da maioria dos cidadãos cubanos ao fazer promessas de criação de uma administração honesta com liberdades civis e políticas, além das reformas moderadas. Ao longo dos anos, no entanto, não foi essa a cartilha que seguiu. Inúmeras vezes seu governo recebeu acusações de autoritarismo, radicalismo e violação aos direitos humanos, além de perseguição a religiosos e homossexuais.
Milhares de cubanos deixaram seu país legal ou ilegalmente apenas por não estarem de acordo com o governo. Muitas são as reportagens que narram casos de pessoas que entraram nos Estados Unidos a partir de fugas marítimas, os chamados "balseiros", e que fazem de tudo para chegar à terra do Tio Sam apenas para se verem livres das perseguições dos adeptos do governo castrista. Esse contingente é tão significativo que um acordo entre os Estados Unidos e Cuba foi feito estabelecendo que os cubanos que conseguissem alcançar o solo norte-americano teriam direito à cidadania norte-americana.
Além dos Estados Unidos, os cubanos dissidentes também se refugiam em massa na Espanha, e muitos participam de movimentos anti-Fidel, um problema que o sucessor Raúl Castro deve enfrentar. Os opositores de Fidel defendem a queda do regime castrista e a criação imediata de reformas democráticas no país.
E não é apenas dos cubanos que vêm as críticas. A comunidade internacional costuma recriminar muito as atuações de Cuba em relação aos direitos humanos. O governo de Fidel foi muito acusado de violação desses princípios e do tratamento dado a presos políticos e dissidentes. Há casos de pessoas que foram condenadas à morte somente por se posicionarem contra o governo.
O curioso é que um sentimento ambíguo pareceu dominar os cubanos quando a notícia dos problemas de saúde de Fidel foi divulgada, em 2006. Enquanto alguns torciam para que Fidel se recuperasse logo, parte da comunidade cubana que vive em Miami comemorou a notícia da internação do líder, que na época passava por uma cirurgia de intestino.
Mesmo afastado do poder, Fidel continua a manifestar suas opiniões. Um dos exemplos mais claros foi seu recente artigo publicado na série Reflexões, veiculado por órgãos oficiais de imprensa. Sobre uma possível volta de Cuba para a Organização dos Estados Americanos (OEA), da qual foi excluída em 1962, disse como se estivesse ainda no poder que "Cuba respeita os critérios de governos dos países irmãos da América Latina e do Caribe que pensam de outra forma, mas não deseja fazer parte dessa instituição".
Prêmio Lenin da paz.
Todos os leitores, com certeza, já ouviram falar sobre o Prêmio Nobel da Paz, instituído pelo inventor da dinamite, o sueco Alfred Nobel (1833-1896). Poucos, porém, sabem que existiu uma premiação soviética equivalente chamada Prêmio Lenin da Paz. A distinção conferida por realizações nos campos das artes e ciências, entre outros, foi criada em 1949 pelo governo da União Soviética e, no início, era denominado de Prêmio Internacional Stalin para o Fortalecimento da Paz entre os Povos. Mas em 1956, em decorrência do processo de "desestalinização" da União Soviética, mudou de nome para Prêmio Internacional Lenin para o Fortalecimento da Paz entre os Povos.
O prêmio é considerado um equivalente do Nobel, já que premia pessoas que atuam nos mesmos moldes do concorrente ocidental. Criado em 21 de dezembro de 1949, em homenagem aos 70 anos de nascimento de Joseph Stalin (1878-1953), parou de ser distribuído em 1991. Os ganhadores eram escolhidos por um comitê internacional apontado pelo governo soviético. Entre os vencedores mais conhecidos, além de Fidel Castro, que o ganhou em 1961, estão nomes como o escritor Jorge Amado (19122001), premiado em 1955, o artista norte-americano Rockwell Kent (1882-1971), em 1966, o médico e político chileno Salvador Allende (1908-1973), em 1972, o expresidente soviético Leonid Brejnev (1906-1982), que recebeu o prêmio no mesmo ano, e a ex-primeiraministra da Índia, Indira Gandhi (1917-1984), em 1983.
O Prêmio Lenin da Paz, apesar da semelhança de nome, não deve ser confundido com o Prêmio Internacional da Paz (International Peace Prize), que é distribuído pelo World Peace Council, ou com o Prêmio de Estado Soviético (USSR State Prize), criado em 1941, que reconhece anualmente escritores, compositores, artistas e cientistas soviéticos, e que durou também até 1991.
A respeito do fim do embargo norte-americano, Fidel também se mostrou intransigente. No começo do mês de maio de 2009, manifestou-se sobre o assunto ao afirmar que o ex-presidente norte-americano Jimmy Carter estava correto ao afirmar que o fim de tal ação cabia exclusivamente a Cuba. Carter afirmara que o atual presidente norte-americano, Barack Obama, devia acabar com as restrições de todos os tipos contra a ilha e que o fim do embargo viria a seguir. Fidel, que não deixa nenhuma ocasião passar, afirmou no seu artigo intitulado O Único Ex-Presidente Americano que Conheci que "Carter tratou de retificar durante seu mandato a pérfida história dos Estados Unidos contra Cuba", e destacou os acordos conseguidos entre os dois países, como a criação dos Escritórios de Interesses em Havana e em Washington. Mas afirmou que "um eventual fim do embargo econômico depende também de Cuba".
Enquanto isso, os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que se preparam para reabrir o comércio com Cuba, também mantêm o país como um dos quatro no mundo considerados como refúgio de terroristas, ao lado de Sudão, Irã e Síria. Pelo jeito, Fidel e sua filosofia ainda reinarão por algum tempo. Talvez nem mesmo possamos ver o dia em que os dois países voltarão a realizar comércio, tendo em vista que as sementes do diálogo ainda parecem precisar de algum cuidado para germinarem.
Sérgio Pereira Couto, Revista Leituras da História, Edição nº 22/2009.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 3/7/16.

No reino da violência.

No ano de 1751, na Vila de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, capitania das Minas Gerais, João da Rocha Lima enfrentava uma disputa judicial com o capitão Domingos Rodrigues pela morte de seu escravo, o negro africano Salvador, de nação Angola. Lima havia emprestado o escravo algemado e amarrado a Rodrigues para que mostrasse a ele como chegar a um determinado quilombo. Esperava que Salvador fosse devolvido nas mesmas condições. Não foi isto que ocorreu. Testemunhas chamadas a depor contaram  que Rodrigues, após realizar a diligência ao quilombo, teria matado Salvador, entrando em seguida na vila carregando duas cabeças cortadas, sendo uma delas a do africano. A sentença foi dada no ano seguinte. Rodrigues foi condenado à prisão pelo prejuízo material causado a João da Rocha Lima, que perdeu um escravo de sua propriedade.
Situações como essa revelam uma realidade na qual a violência fazia parte do cotidiano de milhares de homens e mulheres, escravos, libertos, livres, brancos, negros e mestiços que habitavam as vilas e arraiais das Minas. Demonstram, também, a manifestação do poder pessoal e abusos dos administradores, devido à posição privilegiada no exercício dos cargos que ocupavam. O próprio sistema escravista tinha a violência como elemento constitutivo e institucionalizado: pressupunha manter o indivíduo como propriedade de outrem, devendo submeter-se ao poder e à vontade de seu senhor. Como mercadoria, o escravo poderia ser vendido, trocado, deixado de herança, castigado, preso e morto por seu proprietário ou pelo Estado.
Com a descoberta do ouro, no último quartel do século XVII, na região das Minas Gerais, e do diamante, em 1729, nas proximidades da atual cidade de Diamantina, a Coroa portuguesa passou a preocupar-se com o controle e vigilância das regiões auríferas, implantando um aparato político-administrativo de cunho fiscal e tributário para melhor arrecadar e submeter as populações ali residentes às suas leis, visando garantir seu domínio sobre terras tão ricas.
À cobiça da Coroa somou-se a sede de enriquecimento de homens e mulheres de todas as condições sociais e de culturas diversas que, desde os primeiros anos do século XVIII, se dirigiram para a região das Minas Gerais.
A política de desarmamento da metrópole portuguesa para a capitania no período colonial foi contraditória e, com o desenrolar do processo histórico, foi se tornando mais rigorosa, até incluir, nas penalidades legais, senhores e homens brancos e livres. Inicialmente, o Regimento de 1548 permitia o porte de armas – espada, besta, espingarda, lança e chuço – aos habitantes da América portuguesa, para sua defesa e segurança. Moradores brancos e proprietários eram obrigados a adquirir armas nos armazéns régios, num prazo de um ano, o que indica a expansão do mercado de armamentos para a burguesia européia. Era expressamente proibida a confecção de armamentos e pólvora na Colônia, bem como, aos ferreiros, latoeiros, funileiros e caldeiros, ensinar aos índios e escravos os segredos do seu ofício.
O temor residia no fato de que fossem feitas, internamente, armas de ferro, o que parece ter ocorrido em meados do século XVIII, na região central do território mineiro. Com a descoberta das minas, manteve-se apenas a nobres, residentes nas cidades, o privilégio de portarem armas de fogo, como também espadas à cinta, mas abriam-se exceções para os escravos que acompanhavam seus senhores em longas jornadas pelos perigosos caminhos coloniais, povoados por quilombolas, assaltantes, índios bravios e animais ferozes. Já na primeira década do século XVIII, a ordem do governador d. Pedro de Almeida, em 1719, reforçava a proibição a escravos (africanos e crioulos, isto é, nascidos no Brasil), libertos negros e mestiços, que compunham o grosso da população, de usarem pistolas, clavinas, bacamartes, espingardas, facas, punhais, espadas e adagas.
Com o transcorrer do tempo, o crescimento da população em Minas Gerais, associado à ocorrência de inúmeros motins e ao surgimento de dezenas de quilombos, provavelmente contribuiu para aumentar o clima de insegurança e a criminalidade. Espalhavam-se os conflitos armados, os roubos e as desavenças entre os habitantes dos inúmeros arraiais e vilas da capitania. É possível classificar os crimes em quatro tipos, de acordo com o bem jurídico ofendido: contra o Estado, contra a ordem pública, contra a pessoa e contra a propriedade. O porte ilegal de armas, embora enquadrando-se no crime contra o Estado, de fato, poderia ser também considerado um crime contra a ordem pública e contra a pessoa, ao favorecer – nos logradouros públicos, por exemplo – brigas, ferimentos e assassinatos.
Diante dessa realidade, os administradores passaram a incentivar e premiar a delação (marca característica da legislação colonial portuguesa) e tornar mais rigorosas as punições pelo uso ilegal de armas, prendendo escravos, libertos e livres pobres, mandando açoitar publicamente cativos e alforriados, além de impor penas pecuniárias, calculadas em oitavas de ouro, para libertar escravos da prisão. Os comerciantes e as negras de tabuleiro – vendedoras ambulantes que percorriam os caminhos e arraiais – eram constantemente acusados pelos administradores de facilitar todo tipo de contrabando, incluindo ouro, diamantes, armas, pólvora e balas para escravos e quilombolas. Os comerciantes, livres e brancos, estavam na verdade interessados em vender seus produtos, a despeito da condição social dos compradores. Era um comércio ilícito que, por essa razão, poderia trazer maiores lucros para os comerciantes. Da mesma forma, por circularem diariamente por ruas e caminhos, mantendo relações com toda a população para vender suas mercadorias, muitas negras de tabuleiro aproveitavam para se prostituir e lucrar com o comércio ilícito da venda de armamentos. Há que se considerar, ainda, as relações pessoais e afetivas estabelecidas entre vendedores e a sociedade, que interferiam no sucesso das transações.
A ameaça à “tranqüilidade pública” foi aumentando e até os instrumentos de trabalho dos escravos – como, por exemplo, os facões para corte de capim – passaram, com o tempo, a representar um perigo e uma ameaça à ordem colonial escravista. Assim, cientes dessa realidade e da impossibilidade de controle sobre a complexa população mineira, o rei d. João V decretou uma ordem régia, em 1722, ampliando a proibição a todas as pessoas, de qualquer condição social, fossem negros, mulatos, brancos, escravos, alforriados, pobres ou ricos. Ninguém podia “trazer consigo faca, adaga, punhal, sovetão ou estoque ainda que seja de marca, thezoura grande, nem outra qualquer arma, ou instrumento se com a ponta se puder fazer ferida penetrante, nem trazer pistolas, ou armas de fogo mais curtas de que a Ley permite”.
A legislação proibitiva do porte de armas foi se repetindo ao longo do século XVIII, fato que demonstra o seu não-cumprimento. Se, por um lado, ter armas e contar com uma guarda pessoal de escravos armados era símbolo de poder pessoal e demonstração de prestígio para os senhores, no confronto com outros proprietários, por outro, para cativos e camadas pobres da população, isso poderia significar a manutenção da liberdade e sobrevivência. Deve-se considerar que as armas confeccionadas de forma mais artesanal, como porretes e azagaias (lança curta de arremesso, muito comum em África), deveriam ser mais usadas por escravos e pela população mais empobrecida, enquanto a espingarda de pederneira e as pistolas eram usadas pelos nobres, militares e senhores.
Havia muitos grupos sociais interessados no comércio ilícito de armas, entre eles administradores – militares e camaristas –, comerciantes, escravos, senhores, quilombolas e criminosos. Essa rede de relações inviabilizou o sucesso da política de desarmamento implementada por Portugal para a capitania das Minas e contribuiu para o crescimento da violência ao armar os vários segmentos da população numa região aurífera, de intensa disputa por ricas terras. Para desespero das autoridades, os interesses pessoais predominaram sobre os interesses régios, identificados, naquela realidade, com os interesses públicos. Isso não impediu a continuidade da exploração colonial sobre as Minas Gerais, mas certamente a dificultou e a desgastou, ao longo do Setecentos.
Liana Maria Reis, Revista de História da Biblioteca Nacional, Edição nº 4, outubro/2005.
Enviado por: Profº Marcelo Osório Costa, 3/7/16.