Quem
passa pela Rua Benjamin Constant, no bairro da Glória, Rio de Janeiro,
encontra, à altura do número 74, um tanto afastado da calçada, um prédio de
estilo neoclássico. No alto da fachada é possível ler a inscrição: “Religião da
Humanidade” e, mais abaixo, os dizeres: “O Amor por princípio e a Ordem por
base; o Progresso por fim.” Embora não pareça, trata-se de uma igreja, mais
precisamente, o Templo da Humanidade. O templo foi inaugurado em 1897 pela
Igreja Pozitivista do Brazil. Assim mesmo, com “z”. Uma das reformas propostas
pelos positivistas foi a ortográfica, que tinha o propósito de adequar a
escrita do português à prosódia brasileira. Os dizeres traduzem os princípios
básicos, a “fórmula sagrada”, da filosofia de Auguste Comte, pensador francês
fundador do positivismo e da religião da Humanidade, autodenominado primeiro
Sumo-Pontífice da Humanidade.
Por
dentro, o templo se parece muito a uma igreja católica. A nave é circundada de
bustos representando figuras importantes da História da humanidade,
equivalentes aos santos católicos. Na parte da frente, há um altar-mor,
encimado por um grande quadro representando uma figura de mulher com um filho
nos braços, de autoria do pintor Décio Vilares. Abaixo do quadro, há um busto
de Auguste Comte. Acima do quadro, a palavra Humanidade. Mais acima, em
italiano, um verso tirado da Divina Comédia, de Dante, referente à Virgem
Maria, “Vergine-Madre, Figlia del tuo Figlio”, isto é, “Virgem-mãe, filha de
teu filho”.
Comte
copiou quase tudo da Igreja Católica, arquitetura, rituais, sacerdócio, santos.
Copiou, sobretudo, o culto à Virgem-Mãe. Mas introduziu uma grande alteração.
Eliminou a idéia de transcendência, isto é, rejeitou a existência de um deus
separado e distante da humanidade. Trouxe a religião para a Terra. O Deus para
ele era a própria humanidade. O Deus era uma deusa, a Deusa Humanidade, palavra
que ele grafava sempre com inicial maiúscula.
A
representação pictórica da Humanidade devia ser a figura de uma mulher de cerca
de 30 anos, carregando uma criança nos braços. O rosto dessa mulher devia ser
de Clotilde de Vaux, mulher por quem o filósofo se apaixonou perdidamente e sob
cuja inspiração criou a nova religião. O verso de Dante, aplicado à humanidade,
adquiria um sentido preciso: a humanidade é virgem, isto é, não fecundada por
força externa a si mesma. A humanidade é filha de seus filhos, isto é, não foi
criada por uma entidade estranha, ela gera os seres humanos e é por eles
gerada. Coerentemente, os positivistas, ao se despedirem, não diziam adeus, mas
adeusa. Paralelamente ao culto à humanidade, eles desenvolveram um culto à
mulher, sob o argumento de que ela era superior ao homem por representar o
sentimento do amor, mais valorizado que a ação e a razão, típicas do homem.
Mas
a religião era um desenvolvimento tardio no pensamento de Comte, ocorrido após
seu encontro com Clotilde. O positivismo era, sobretudo, uma filosofia da
História e uma teoria política. Dentro da visão evolucionista do século XIX,
que incluía o darwinismo e o marxismo, Comte desenvolveu a lei dos três
estados. Segundo essa lei, a humanidade passaria por uma primeira fase chamada
de teológico-militar, em que o poder espiritual estava nas mãos de sacerdotes e
o temporal na de militares. A seguir, entraria na segunda fase, denominada
metafísica, em que o predomínio espiritual era de filósofos e o governo estaria
na mão de legistas, e o regime político seria a democracia. As nações
ocidentais estariam nessa fase. A terceira fase seria a positiva. Os
sociólogos, isto é, os sacerdotes positivistas, controlariam o poder
espiritual, e a burguesia, o poder material. O regime político nessa fase seria
a ditadura republicana. A principal tarefa da ditadura republicana era garantir
a liberdade espiritual e incorporar os proletários à sociedade.
Tudo
isso parece hoje um tanto estranho, merecedor, no máximo, de uma curiosidade
complacente. De fato, o positivismo religioso teve pouco impacto na França,
onde se originou. Mas o próprio Comte, morto em 1857, ficaria surpreso se
tivesse podido testemunhar a influência que ele teve no Brasil. O único contato
que teve com nosso país se deu graças a uma brasileira, Nísia Floresta
Brasileira Augusta. Nísia foi uma pessoa extraordinária, pioneira da
emancipação feminina entre nós. Em 1851, assistiu em Paris a uma conferência de
Comte e impressionou-se com a importância que ele dava às mulheres. Trocou com
ele várias cartas, mas não se converteu à nova religião. Comte achava que ela
estava por demais marcada pelo racionalismo do século XVIII. Nísia foi uma das
quatro mulheres a acompanhar o enterro do filósofo.
O
Brasil foi o país em que o positivismo religioso teve maior influência, se
levarmos em conta o número de adeptos, a criação de uma igreja e o impacto no
pensamento e na política. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul foram os
principais focos dessa influência, que se exerceu, sobretudo, no período entre
1880 e 1930. Além do templo do Rio, há uma capela positivista em Porto Alegre.
Inicialmente, o positivismo chegou até nós pela ação de militares, médicos e
engenheiros formados na França. Em 1876 foi criada no Rio de Janeiro uma
Sociedade de Simpatizantes do Positivismo, mas que só aceitava o pensamento de
Comte anterior à criação da Religião da Humanidade. No ano seguinte, dois
jovens membros da Sociedade, o fluminense Miguel Lemos e o maranhense Teixeira
Mendes, expulsos da Escola Politécnica, foram para Paris, onde aderiram ao
positivismo religioso.
De
volta ao Brasil, Miguel Lemos assumiu a direção da Sociedade Positivista e a
transformou, em 1881, em Igreja Positivista do Brasil. A partir daí, começou a
colocar em prática os ensinamentos de Comte. O primeiro passo foi excluir da
Igreja todos os que não se enquadrassem nos dogmas. O ex-presidente da
Sociedade Positivista, Joaquim Ribeiro de Mendonça, foi excluído por ser
proprietário de escravos. Benjamin Constant, um dos futuros proclamadores da
República, saiu por ser professor da Escola Militar. Segundo Comte,
positivistas não podiam aceitar cargos públicos, sobretudo em escolas públicas
de ensino superior.
A
partir do controle da Igreja, Miguel Lemos e, depois dele, seu alter-ego
Teixeira Mendes, como chefes da Igreja e apóstolos da Humanidade, desenvolveram
intensa atividade de proselitismo e propaganda das idéias positivistas.
Publicaram centenas de folhetos e de artigos em jornais. Organizaram várias
celebrações cívicas, conferências, desfiles, construíram monumentos. Nos
folhetos e nos artigos de jornal – contrariando prática generalizada da época
que admitia o anonimato –, os dois chefes e todos os adeptos não apenas
assinavam o nome como forneciam o endereço, a data e o local de nascimento,
seguindo mais uma popular regra de Comte, a de “Viver às claras”.
Por
seu comportamento, idéias e, sobretudo, suas estranhas práticas religiosas, os
positivistas despertaram forte reação. Para alguns eram ridículos, para outros,
fanáticos religiosos ou malucos, lunáticos alheios à realidade nacional. Mas
muitas das campanhas que organizaram e das teses que defenderam, embora de fato
contrárias a idéias, valores e práticas nacionais, nada tinham de malucas. Uma
de suas principais campanhas foi pela abolição da escravidão. Retomando o
pensamento de José Bonifácio, um de seus heróis cívicos ao lado de Tiradentes e
Benjamin Constant, não só defenderam a abolição imediata como inverteram a
visão, comum na época, da superioridade dos brancos.
Para
eles, a raça negra era superior à branca e à amarela por se caracterizar pelo
predomínio do sentimento. Gilberto Freyre não ousaria tanto. Foram ainda mais
longe, ao promoverem o culto cívico de Toussaint Louverture, o líder da revolta
dos escravos haitianos. Num país em que o haitianismo, isto é, a revolta
escrava, era um fantasma, exaltar “o mais eminente dos pretos” (ainda não
tinham ouvido falar de correção política) era uma ousadia.
Outra
campanha, também inspirada em José Bonifácio, teve por alvo a proteção dos
indígenas – outro grupo de brasileiros que, ao lado dos escravos, diziam os
positivistas ser martirizado em nossa sociedade. O principal agente dessa
campanha foi Cândido Mariano da Silva Rondon, criador e primeiro diretor do
Serviço de Proteção aos Índios, criado em 1910. Rondon dedicou a vida à causa
da proteção aos índios, buscando garantir que se integrassem à sociedade no
ritmo e na maneira que eles mesmos escolhessem.
Lutaram
ainda pela proclamação da República. Republicanos, desde a época de estudantes
da Politécnica, tiveram a crença reforçada pela doutrina positivista, que
colocava a República como o regime próprio da fase positiva da evolução da
humanidade. Como não aprovavam revoluções, insistiram com d. Pedro II para que
ele se transformasse em ditador republicano. Não foram informados sobre o 15 de
Novembro, mas, ao tomarem conhecimento da proclamação, dirigiram-se aos chefes
do movimento insistindo em que proclamassem a ditadura republicana. Em relação
à República, tiveram ainda papel importante em promover o culto de Tiradentes e
a construção dos monumentos a Floriano Peixoto e Benjamin Constant no Rio de
Janeiro, localizados na Cinelândia e no Campo de Santana, e a Júlio de
Castilhos em Porto Alegre.
Foi
deles ainda o desenho da atual bandeira nacional, executado por Décio Vilares.
Combatendo os que queriam copiar a bandeira norte-americana, defenderam o
respeito à bandeira imperial, introduzindo nela algumas mudanças. A mais
polêmica foi a introdução da divisa “Ordem e Progresso”, tirada de instruções
de Comte. A divisa sobreviveu aos protestos e resistiu a repetidas tentativas
de eliminação.
Seguindo
ainda os ensinamentos de Comte, nossos positivistas lutaram pelo que chamavam
de incorporação do proletariado à sociedade moderna. Essa luta intensificou-se
após a abolição e a proclamação da República e desdobrou-se em várias batalhas.
Uma delas foi contra a importação de trabalhadores estrangeiros. Alegaram que os
imigrantes viriam tomar os empregos dos nacionais, sobretudo dos libertos.
Outra foi a defesa da greve em caso de insensibilidade dos patrões. Outra ainda
foi o combate à lei de repressão à vadiagem introduzida após a proclamação do
novo regime. Defendiam o direito ao não-trabalho e argumentavam que os
vagabundos mais nocivos ao país eram os ricos, os burgueses, e não os pobres e
mendigos. O general Manuel Rabelo, positivista, interventor em São Paulo em
1930, ganhou o apelido de cidadão-mendigo por ter ordenado em decreto que os
mendigos fossem tratados como cidadãos. Finalmente, insistiram na criação de
legislação trabalhista e social. Jornada de sete horas, salário justo, descanso
semanal, férias, aposentadoria. Ao introduzir a legislação trabalhista depois
da Revolução de 1930, Lindolfo Collor, primeiro ministro do Trabalho,
justificou-a referindo-se aos ensinamentos positivistas.
Lindolfo
Collor era gaúcho e foi no Rio Grande do Sul que o positivismo teve grande
influência. A constituição gaúcha de 1891 incorporou várias idéias
positivistas, muitas delas em aberto conflito com a Constituição federal. O
presidente do estado podia ser reeleito e decretava as leis depois de ouvidas
as câmaras municipais. A assembléia legislava apenas em matéria orçamentária, a
educação pública limitava-se ao ensino básico, e era permitido o exercício de
qualquer profissão sem exigência de diploma.
Os
positivistas eram radicalmente contrários a revoluções, guerras e governos
militares. Lembre-se que o predomínio militar representava para eles o estado
mais atrasado da humanidade. Lutaram contra o serviço militar obrigatório, pela
solução pacífica das questões de fronteiras com os vizinhos, pela restituição
dos troféus de guerra tomados ao Paraguai e pelo perdão da dívida de guerra
desse país. Seu pacifismo completava-se com um ecologismo radical. Sua
principal inspiração aqui era São Francisco de Assis, o santo que chamava de
irmãos e irmãs a todas as criaturas, pregava aos peixes e pássaros. Teixeira
Mendes não usava sapato de couro para não ser conivente com a morte de animais.
Antes de morrer, providenciou a construção de um monumento a São Francisco,
localizado no Campo do Russel, no bairro da Glória. Depois de sua morte, os
positivistas colocaram um busto dele perto do monumento.
Como
se vê, suas campanhas nada tinham de loucura ou lunatismo, embora
contradissessem práticas e idéias vigentes. Influenciaram o debate público, a
política e movimentos sociais da época, como a Revolta da Vacina. Sua
influência desceu até o samba. Noel Rosa e Orestes Barbosa compuseram o samba
Positivismo, que dizia: “O amor vem por princípio,/ E a ordem por base./ O
progresso é que deve vir por fim./ Contrariando esta lei de Augusto Comte,/ Tu
foste ser feliz longe de mim.”
Um
ponto em que nossos positivistas estavam, de fato, muito distantes da realidade
brasileira era o da moral pública. Para eles, o interesse coletivo devia
predominar sobre o individual. Todos, patrões e operários, eram funcionários da
humanidade. Entendiam a república em seu sentido original, romano, de regime
voltado para a realização do bem público. O cidadão republicano era, por
definição, um cidadão virtuoso, dedicado à causa pública. Os chefes
positivistas jamais aceitaram cargos públicos e não faziam qualquer concessão em
matéria de moralidade pública. Repetiam a frase de José Bonifácio: “A sã
política é filha da moral e da razão.” Os positivistas que ocuparam cargos
públicos, como o marechal Rondon, foram sempre funcionários exemplares, às
vezes para desespero das famílias, que não podiam beneficiar-se da posição do
chefe.
A
nós que vivemos hoje, cem anos depois, numa República em que o público é alvo
costumeiro da rapina de políticos, funcionários e empresários predadores, os
positivistas parecem seres ainda mais estranhos, uns alienígenas, uns
ETs.
Marieta de Moraes Ferreira, Revista de História da Biblioteca
Nacional, Edição nº 1, julho/2005.
Enviado por: Profº Marcelo Osório
Costa, 3/7/16.
Esse movimento positivista brasileiro defendeu os direitos dos negros, das mulheres e dos operários. Uma de suas principais campanhas foi pela abolição da escravidão.Foi dito que os negros eram superiores a raça branca pelo predomínio do sentimento, lutaram pela república pois seria uma evolução a sociedade. O interessante disso tudo foi que esse foi um acontecimento diferente que retira os padroes impostos sobre o passado, que era o massacre aos negros considerados inferiores, o preconceito com a mulher , e isso mostra que todos eles tem o mesmo direito porque são cidadãos e merecem respeito como qualquer pessoa e que há lutas em seu favor , mostrando que tentarão alcançar seus objetivos... e que mesmo ainda existindo muitos preconceitos o negro a mulher alcançaram seus direitos e estão inseridos na sociedade.
ResponderExcluirO movimento positivista lutou pelas mulheres, negros e pela República. E isso é um fato mais difícil de acontecer : As lutas pelas mulheres e negros pelo fato de que em épocas passadas serem massacrados e humilhados e isso mostra que é através das lutas, dos esforços que se consegue os direitos almejados. Mesmo ainda existindo preconceito, o negro e a mulher fazem parte da sociedade e estão cada vez mais ativos no mercado de trabalho, algo em que antes nem se pensava .
ResponderExcluirLaura, o que gostei em seu comentário foi a defesa da igualdade de gêneros e que esse movimento também defende isso. É bacana vermos a nossa sociedade lutando por melhores condições de vida. E vamos falar a verdade: em que a mulher é inferior?
ResponderExcluirA mulher deve ter direitos iguais. Ela é um ser humano é precisa ser aceita na sociedade em que vive como qualquer outra pessoa !!!!
ResponderExcluirConcordo com você Laura! As mulheres eram criadas para casar, cuidar dos filhos e da casa, porém os tempos mudaram, hoje as mulheres ocupam altos cargos, e exercem profissões antes consideradas "masculinas", e merecem ser tratadas com igualdade e respeito!
ExcluirNão se deve procurar elevar uma determinada classe inferiorizando outra. A igualdade consiste na falta de diferenças entre duas coisas, que possuem o mesmo valor ou são interpretadas a partir do mesmo ponto de vista, em comparação a outra coisa ou pessoa, portanto assim deve ser empregada, sem considerar a raça, etnia, gênero, opção sexual dentre outros fatores que diferenciam os indivíduos e os tornam ínferos.
ResponderExcluir