Houve pais e mães de santos tão renomados, que sua
popularidade ultrapassou a fronteira das províncias. Foi o caso de Juca Rosa
que passou alguns meses na Bahia se instruindo nos mistérios da religião
africana. Ao voltar à capital, fundou um terreiro bem-sucedido em bairro
conhecido como Pequena África, onde os negros descidos das províncias do Norte
e Nordeste se concentravam.
O fato de haver mais homens nas lideranças religiosas não
significava que eles tivessem mais oportunidade do que as mulheres para se
estabelecer como adivinhos e curandeiros. Mostrava apenas que o costume
africano segundo o qual a adivinhação ou a arte do Fa, era prerrogativa de
babalaôs, havia sido quebrada.
Mas vamos conhecer João Sebastião da Rosa ou Juca Rosa,
“senhor de forças sobrenaturais” e uma das maiores lideranças religiosas na
década de 70. Ex-praça do exército descrevia-no como um “crioulo entre 36 e 40
anos”, “de olhos vivos e penetrantes”, alfaiate de profissão, sempre elegante
no trajar, alfabetizado, cuja mãe africana lhe legou “um arcano de dar
fortuna”. Aborreceu-se no trabalho e
abraçou a “nefanda procissão” de feiticeiro.
O processo foi deflagrado por uma denúncia anônima
enviada à Justiça, e publicada no jornal Diário de Notícias que ai viu a
possibilidade de monopolizar o tema e multiplicar vendas. Seguiram-se notícias
sobre sua prisão, sempre sob o título de “Importante diligência policial”. A seguir, em letras maiúsculas vinha a lista
de “crimes” por ele cometidos: “sortilégios, evocações, estelionatos, roubos,
defloramentos, remédios para que adúlteras encobrissem suas faltas, mortes,
propinações de veneno, abusos de confiança, ataques à religião, seitas
proibidas, reuniões secretas, feitiçaria”. E durante meses, a venda de jornais
incentivou uma sucessão de artigos escandalizados.
Segundo o mesmo jornal, quem o acusava era um jovem de 24
anos que conheceu o Juca, líder de uma “irmandade conhecida até na Europa”,
quando buscou tratamento para um braço doente. Adiantou-lhe 30$000 para compra
de remédios e participou de uma cerimônia. Assistiu Juca realizar uma
“amarração”: cercado de “bugigangas” descalço e sem paletó. Dando saltos,
mudando de voz e em meio às cantorias, segundo seu acusador, ele convertia
inimizade em afeição, aconselhando também “os meios de se vencer quaisquer
dificuldades na vida”. Segundo a matéria do jornal, “e era nesse momento que
todos os assistentes lhe beijavam a mão direita e batiam com a cabeça no chão”.
Na Rua da Carioca 36, novo ritual de amarração entre uma
jovem portuguesa e um “opulento negociante que a freqüentava. Ali, Juca
estendeu um pedaço de pano, e sobre este, em forma de cruz, outro encarnado e
preto, pondo-se sobre tudo, um urubu, um anu, pimenta de Angola, farinha,
azeite de dendê, milho e acaçá. Feito isso, comparecia a consultante e Rosa
fazia-lhe passar um galo pelo corpo em todas as direções, pronunciando algumas
palavras ininteligíveis. Após, cortava-se o pescoço da ave e a consultante
esquartejava-a enchendo-a dos ingredientes e mandando-a colocar à porta da
igreja de São Francisco de Paula”.
A moça não só lhe entregara um anel de brilhantes em
pagamento dos serviços, como lhe dera dinheiro, vendera sua mobília para arcar
com despesas e, diziam, prestara-se a serviços sexuais.
A irmandade tinha cerca de 30 pessoas e Juca se
auto-proclamava Pai Quibombo. Segundo o jornal, ele extraía ferros e agulhas de
ferimentos, preparava medicamentos que levavam à sepultura, se casava com
várias mulheres no “gongá”, batizava seus filhos segundo rituais pagãos diante
de um ídolo, o Manipanço, promovia danças eróticas em frente à imagens santas,
e as “filhas que não cumprissem obrigações” pagavam-lhe multas em dinheiro.
Elas trabalhavam e participavam das cerimônias descalças e algumas “nuas” –
escandalizava-se o jornal! A maioria das mulheres era fanaticamente dedicada a
Juca. Ele era conhecido por “inspirar paixões, tirar o vigor dos indivíduos,
fazê-los adoecer e sucumbir a moléstias”. E tudo por dinheiro – rugiam os
articulistas!
O “nigromante” recebia numa vila situada à Rua do Núncio,
depois de um “banho de ervas cheirosas”, diante de um altar com imagens,
castiçais e salva de prata para receber dinheiro. Nesse ambiente de luz mortiça
e sepulcral, tocavam-se as “macumbas”. Distribuíam-se breves para usar junto ao
pescoço, cantava-se em língua africana e com “o espírito na cabeça”, Juca caia
como morto. Era aí que dava consultas como “Pai Quibombo”. A região era
infestada de cortiços, casas de fortuna e prostíbulos. Mas em seu candomblé
eram recebidas muitas senhoras elegantes com quem Juca teve ligações mais do
que espirituais. Sedutor e carismático acabava por enfeitiçar as próprias
clientes a quem fazia segundo algumas, “propostas indecorosas”. Era adorado
pelas belas e jovens que lhe prestavam serviços sexuais.
As notícias sobre seu julgamento faziam vender jornais,
afinal, consideravam-no “capaz de enganar o próprio Deus” e “salteador da
honra, do pudor e da fortuna”! As diversas testemunhas que se apresentaram ao
júri relataram uma “coleção de cenas dignas de pena do mais extravagante
romancista”. O que impressionava era o número de amantes e de acolitas
adúlteras capazes de tudo pelo Juca, inclusive, dar-lhe dinheiro. E muito.
A curiosidade pública transformou Juca num “herói de
horrores”, segundo uma dessas folhas. Não faltava quem acusasse: curandeiros como
ele infestavam a cidade e “tudo isso vive à sombra de inqualificável proteção”
e nas barbas das autoridades. Era fanatismo. Pois nenhuma queixa para “por
cobro nos atos de selvageria”, chegara jamais aos ouvidos da polícia. Juca era
protegido por “políticos e capitalistas”.
Nas fórmulas mágicas que vendia, não faltava a presença
do catolicismo. Sincretismo, aculturação, mestiçagem? Pouco importava. O
respeitável era funcionar como se vê nessa “Receita para os homens se verem
obrigados a casar com suas amantes”:
“Tomem-se 26 folhas de erva de santa Luzia e depois de
cozidas em seis decilitros de água, meta-se numa garrafinha branca bem
arrolhada, até que tenha no fundo alguns farrapos, e sobre o gargalo dessa
garrafa reza-se a seguinte oração:
‘Ó santa Luzia, que sarais os olhos, livra-nos de
escolhos, de noite e de dia; ó santa Luzia, bendita sejais por serdes bendita,
no céu descansais’.
Aqui tira-se um 7 de um baralho de carta e põe-se-lhe em
cima a garrafa, dizendo: ‘Em nome do Padre, do Filho e do Espírito santo, te
imploro, Senhora, que assim como esta carta está segura, assim eu tenha seguro
por toda a vida a (fulano) a quem amo de todo o coração e peço-vos Senhora, que
façais com que me leve à Igreja, nossa mãe em Cristo Senhor Nosso’. Rezar, em seguido
uma coroa à Nossa Senhora. É preciso manter a carta debaixo da garrafa até o
dia do casamento”.
O julgamento teve início no dia 5 de janeiro de 1871. A
sala lotada de autoridades, gente elegante, “madamas” e seguidores, mais
pareciam uma festa. Um “hábil advogado”, certo Dr. Felipe Jansen de Castro
Albuquerque, foi escolhido para defender Juca. Segundo o Diário de Notícias, os
advogados de acusação tiveram que conduzir uma “luta heróica para arrancar a
verdade” de testemunhas aterrorizadas pelo olhar que o bruxo lhes lançava. O
Diário prosseguiu sua campanha enumerando feitiços e mortes promovidas por Juca
Rosa e alertando as autoridades para prosseguir seu julgamento com “louvável
energia”. Que a lei e a ordem não se deixassem embaraçar com “solicitações de
potentados ou ameaças insolentes em nome da religião e da moral”.
Seis meses depois, ao final do julgamento, 45 edições de
50 mil exemplares de uma brochura sobre o processo do “famigerado Juca Rosa”
eram vendidas nas boas casas do ramo. O feiticeiro foi, então, condenado. Não
por bruxarias, pois o Código Criminal do Império não validava tal crime, mas,
sim por estelionato. Embora fosse mais
um personagem no mundo do sobrenatural e das mandingas, Rosa chocou por avançar
num território proibido na sociedade escravista: o do sexo. Ele era o negro que
possuía sexualmente brancas, mulatas e negras. Despertava paixões e alisava
canelas, pernas e braços femininos, ambicionados lugares de desejo masculino,
para “curá-los”.
Em plena campanha abolicionista, Juca Rosa era o
ex-escravo que enfeitiçava iaiás com carícias. Sua magia, mas, sobretudo seu
poder sexual, não podia ficar sem castigo exemplar. Foi libertado após seis
anos de prisão a 26 de julho de 1877. Voltaria a atuar o poder do Pai
Quibambo?! – Mary del Priore.
Fonte:
http://historiahoje.com/juca-rosa-o-poderoso-senhor-dos-terreiros-e-dos-coracoes/
Publicado em 2 de abril de 2015 por Márcia - História do
Brasil.
Enviado por: Aline
Oliveira Rodrigues - 2° ano do Ensino Médio.
Breve resumo sobre a história de Juca Rosa, um pai de santo na corte imperial. Pai Quilombo e sua história polêmica num paradoxo entre religião e capitalismo.
ResponderExcluirA partir da história de Juca Rosa chegamos à grande influência de tradições culturais da África Centro-Ocidental nas origens do que se conhece hoje como umbanda e candomblé, religiões afro-brasileiras de grande popularidade em todo o país, entre pessoas provenientes de grupos populares mas também entre intelectuais e membros das elites políticas e econômicas
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