Com uma lista de 377 nomes de agentes
que cometeram atos de violação aos direitos humanos, o relatório final da
Comissão Nacional da Verdade (CNV) completou no fim de semana dois anos sem que
nenhum dos responsáveis citados tenha respondido pelos seus crimes. Em 10 de
dezembro de 2014, os integrantes da comissão entregaram para a então presidente
Dilma Rousseff o relatório que tinha como principal recomendação que as Forças
Armadas assumissem a responsabilidade (inclusive juridicamente) pelas violações
e que indivíduos fossem responsabilizados. Até agora, a recomendação passou
longe de se tornar realidade.
O coordenador da CNV, o jurista e
professor de direito da Universidade de São Paulo (USP) Pedro Dallari, avalia
que apesar de trazer de forma detalhada e sistematizada os episódios obscuros
dos porões da ditadura, a falta de continuidade no processo foi uma escolha do
Palácio do Planalto e de outras instituições brasileiras.
“O Estado brasileiro optou por não
produzir consequências institucionais ao estudo que foi feito sobre tudo que se
passou naquele período. Embora a lei determinasse que fossem feita
recomendações após as apurações, tanto o governo Dilma, quanto o atual governo
de Temer, escolheram não dar andamento”, lamenta Dallari.
A ausência de julgamentos ou punições
efetivas se torna motivo de maior frustração uma vez que houve grande
expectativa de que os resultados das apurações avançassem em um governo de
esquerda, que era presidido por uma presidente que foi vítima de torturas
durante a ditadura. Dilma foi presa e torturada no início dos anos 1970 e se
emocionou muito durante a cerimônia de apresentação do relatório final. “Se em
um governo mais comprometido com a busca da memória e da verdade os
desdobramentos não aconteceram, dificilmente se espera que venham a acontecer
no futuro”, diz o coordenador da CNV.
O relatório final aponta 434 mortos e
desaparecidos durante o regime militar, sendo que 210 pessoas que sumiram após
serem presas acusadas de “terrorismo” ou “subversão” permanecem sem que o
paradeiro de seus corpos seja conhecido. Durante as investigações da comissão,
corpos de 33 desaparecidos foram localizados.
Em maio de 2014, antes da conclusão do
relatório, a Justiça aceitou denúncia contra militares acusados de participar
do atentado no Riocentro. O Ministério Público pediu que eles respondessem
pelos crimes de tentativa de homicídio doloso, organização criminosa,
transporte de explosivos e favorecimento pessoal. No entanto, dois meses depois
o caso foi considerado prescrito pelo Tribunal Regional Federal (TRF) e não
houve qualquer punição para os envolvidos. Decisões reiteradas em tribunais
brasileiros – inclusive do Supremo Tribunal Federal (STF) – entendem que crimes
praticados durante a ditadura estão perdoados pela Lei de Anistia, de 1979.
Na semana passada, o Ministério Público
Federal (MPF) do Rio de Janeiro denunciou o ex-sargento do Exército Antônio
Waneir Pinheiro de Lima, conhecido como “Camarão”, que foi caseiro da chamada
“casa da morte de Petrópolis”, centro clandestino de tortura usado durante a
ditadura. A denúncia levou em conta depoimento de Inês Etienne Romeu, ex-presa
que foi torturada na Casa da Morte, falecida no ano passado. Ele foi denunciado
pelos crimes de estupro e sequestro. Ainda não existe data para que “Camarão”
seja julgado.
Apesar de destacar que os militares
brasileiros não apoiaram tentativas de ruptura democrática mesmo em momentos de
crise institucional como as enfrentadas este ano, Dallari afirma que ainda
existe grande dificuldade em lidar com os militares no país. “Hoje, não se
aventa a volta dos militares, fora um ou outro maluco que vemos no meio das
manifestações por aí. Mas não há segmentos expressivos que apostam na ruptura.
Ainda assim, temos uma dificuldade de lidar com questões que envolvem os
militares. O exemplo maior aconteceu com a proposta de reforma da Previdência
que deixou de fora os militares”, diz Dallari.
•Exemplo dos países vizinhos.
Se no Brasil os acusados de cometer
violações continuam distantes dos tribunais, em outros países da América do Sul
que passaram por períodos de ditadura a realidade é bem diferente. Julgamentos
de militares são comuns na Argentina, Uruguai e Chile, com duras punições para
os condenados. No fim de 2014, quinze militares da reserva argentinos foram
condenados à prisão perpétua por violações dos direitos humanos em um centro
clandestino.
Em maio deste ano, um tribunal argentino
condenou o ex-ditador Reynaldo Bignone, de 88 anos, e o coronel uruguaio
reformado Manuel Cordeiro, de 77 anos, a 20 e 25 anos de prisão por
participarem do Plano Condor, um sistema de coordenação repressiva adotado
pelas ditaduras da América do Sul nas décadas de 1970 e 1980. Bignone foi o
último presidente da ditadura argentina. No Chile, os principais nomes da
ditadura também enfrentaram as cortes. Em junho, a Corte Supremo determinou o
aumento das penas para dois militares condenados por assassinar jornalistas
durante o regime de Augusto Pinochet.
“Diferentemente de nossos vizinhos que
também viveram períodos de ditadura, com graves violações dos direitos humanos,
não se criou um órgão no Brasil para dar segmento e se apurar as
responsabilidades individuais penais, civis e administrativas. O Brasil é um
caso único, em que não houve nenhuma punição. Nem sequer os julgamentos
avançaram”, avalia Pedro Dallari.
Documentos destruídos.
Há três meses, a reportagem do Estado de
Minas enviou, por meio da lei de acesso à informação, um pedido para pesquisar
arquivos dos Centros de Informação e Inteligência do Comando do Exército, do
Comando da Marinha e do Comando da Aeronáutica. As três instituições que compõe
as Forças Armadas informaram ser impossível o acesso a tais documentos. “O
Decreto 79.099, de 6 de janeiro de 1977, estabelecia que documentos sigilosos,
bem como os seus eventuais Termos de Destruição, deveriam ser destruídos pela autoridade
que os elaborasse ou pela autoridade que detivesse a sua custódia, após
decorridos determinados prazos”, diz a resposta do Comando do Exército, que
afirma que os documentos “se existiram, foram destruídos.”
Fonte: Jornal Estado de Minas,
19/12/16.
Enviado por: Profº Marcelo Osório
Costa.