Brasil tem
histórico de acolhida e legislação tida como generosa, mas refugiados ainda
enfrentam preconceito e marginalização.
Popole Musenga e Yolande Mabika são judocas congoleses, e foram
selecionados para compor uma equipe inédita: o “Time de Atletas Olímpicos
Refugiados”, que competirá nos Jogos do Rio 2016. A iniciativa é uma homenagem
às dezenas de milhões de pessoas atualmente obrigadas a abandonar seus lares e
a buscar abrigo em outros países.
Há três anos vivendo no Rio de Janeiro, Popole e Yolande fazem parte de
um contingente de 8.863 refugiados reconhecidos no Brasil, representantes de 79
nacionalidades. A maioria é do Congo como eles, seguidos em número por
refugiados de Síria, Angola, Colômbia e Palestina.
Suas vidas se somam a um longo histórico do refúgio no Brasil. Mesmo
antes da nossa independência, as Guerras Napoleônicas resultaram na chegada de
levas de franceses. Ainda no século XIX vieram os primeiros armênios fugindo de
massacres em terras otomanas, assim como judeus que escapavam de pogroms no
Império russo. Na Segunda Guerra Mundial, recebemos europeus em busca de
proteção. Nos dias atuais, quando o mundo testemunha a pior crise humanitária
desde então – sobretudo em função da guerra na Síria – o Brasil volta a ser
destino para centenas de refugiados.
As migrações causadas pela Segunda Guerra Mundial provocaram
deslocamentos forçados de proporções inéditas: somente na Europa foram cerca de
40 milhões de refugiados logo após o conflito. A urgente necessidade de
resposta coordenada entre os países levou a Organização das Nações Unidas (ONU)
a criar a Agência das Nações Unidas para Auxílio e Restabelecimento (ANUAR),
responsável por fornecer assistência aos indivíduos até sua repatriação.
Inicialmente bem-sucedida, a operação logo teve que enfrentar dilemas
complexos, como quando começaram a circular notícias de que muitos dos
retornados à União Soviética foram recebidos como traidores, sendo presos ou
executados.
Em 1947, a ANUAR foi substituída pela Organização Internacional dos
Refugiados (OIR). Sua missão era repatriar refugiados remanescentes nos campos
europeus, desde que isso fosse feito de forma voluntária. Caso o estrangeiro
não quisesse voltar à terra natal, estimulava-se seu reassentamento em outros
países. O acirramento das tensões entre os blocos comunista e capitalista,
porém, limitou a atuação da OIR: os comunistas se recusaram a apoiar qualquer
ação que não fosse a repatriação, o que tornou a organização por demais dependente
dos recursos dos Estados Unidos. A OIR foi extinta em 1951, mas em seu curto
período de vida foi responsável por reassentar mais de 1 milhão de pessoas.
Criado em 1950, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR)
deu continuidade aos trabalhos. A criação da nova organização foi seguida pela
instituição da Convenção de 1951, principal instrumento legal internacional a
regular sobre a questão do refúgio. Ambos representam os pilares do regime
internacional de refugiados que vigora até hoje.
A principal contribuição da Convenção foi definir claramente o que é um
refugiado: qualquer pessoa que se encontre fora de seu país de origem e que não
possa (ou não deseje) regressar por “fundados temores de perseguição devido à
sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou
opinião política”. Tal definição, porém, nascia limitada no tempo e no espaço:
sua aplicação se restringia a europeus deslocados por eventos anteriores a 1º
de janeiro de 1951. Somente a partir da década de 1960, diante do crescimento
do número de refugiados de países subdesenvolvidos, é que este ponto foi
revisto. Com o Protocolo de 1967, o conceito de refugiado tornou-se de fato
universal, ampliando o alcance de atuação do ACNUR.
O Brasil teve ativa participação na implementação da OIR. Enquanto o
órgão não alcançava o montante necessário para sua efetivação – que deveria ser
depositado pelos países-membros – uma Comissão Preparatória iniciava os
trabalhos de assistência e proteção aos refugiados. O diplomata Hélio Lobo era
vice-presidente da comissão e ali desempenhou um importante papel, propondo
planos de ação entre os países e buscando estimular a opinião pública
brasileira a favor do acolhimento. Porém, diante da crescente resistência interna
em depositar os recursos exigidos, o Brasil foi rebaixado à condição de ouvinte
quando a OIR entrou em vigor: embora continuasse a receber refugiados em
conjunto com a organização, não podia mais participar de suas decisões. Mesmo
assim, de 1947 até 1950 mais de 20 mil indivíduos foram reassentados no país.
A diplomacia brasileira se recuperaria do rebaixamento na OIR. O país
foi o primeiro do Cone Sul a ratificar a Convenção de 1951, e posteriormente
aderiu ao Protocolo de 1967. Na década de 1980, diante do crescente número de
refugiados no continente por conta do acirramento do conflito na Colômbia entre
o governo e as FARC e da eclosão de guerras civis em Nicarágua, El Salvador e
Guatemala, foi preciso elaborar uma resposta regional à questão. Com a Declaração
de Cartagena (1984), a definição de refugiado foi ampliada: refugiado é todo
aquele que tenha saído de seu país devido à grave e generalizada violação de
direitos humanos. Embora de difícil aplicação, esta definição seria incorporada
à lei de refúgio brasileira em julho de 1997, o que a faz ser considerada uma
das mais avançadas e generosas do mundo.
Na prática, quem ajuda os refugiados no país – em parceria com o ACNUR e
o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) – são organizações da sociedade
civil. As Cáritas Arquidiocesanas do Rio de Janeiro e de São Paulo, por
exemplo, trabalham com acolhimento, assistência social, jurídica e psicológica
de refugiados e solicitantes de refúgio. Trata-se de organismos criados pelo
Conselho Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) nos anos 1970, no contexto de
ditaduras do Cone Sul, em que perseguidos políticos necessitavam de auxílio.
Nos últimos anos vêm surgindo iniciativas complementares. Em 2010 foi
criado em São Paulo o Adus – Instituto de Reintegração do Refugiado, que busca
conscientizar a população sobre o drama dessas pessoas, numa tentativa de
amenizar preconceitos e inseri-los no mercado de trabalho.
Em julho de 2015, a partir da plataforma social “Atados”, teve início o
projeto “Abraço Cultural”, também em São Paulo. A proposta é que os refugiados
recebam treinamento e se tornem professores de suas línguas maternas ou de
idiomas nos quais tenham fluência. Além de gerar renda, o projeto promove a
troca de vivências e a quebra de barreiras culturais com os alunos. Deu certo e
se estendeu ao Rio de Janeiro. “Nunca havia pensado em dar aulas de árabe, mas
agora adoro. Percebi que não só consigo ensinar, como gosto de falar sobre
minha língua e cultura. Fico feliz também em perceber que os alunos são
interessados e acabam se tornando meus amigos”, relata o sírio Adel Bakkour,
que chegou ao Brasil em setembro de 2012.
A despeito dessas experiências bem-sucedidas, persistem velhas formas de
exclusão que são empecilhos para que os refugiados reconstruam suas vidas de
forma digna. O racismo, a dificuldade de lidar com culturas vistas como
exóticas e o temor de que o estrangeiro concorra por vagas no mercado de trabalho
são alguns obstáculos que os relegam à marginalização. Muitos vivem marcados
como o eterno “outro”, aquele que, apesar de acolhido, não pode gozar dos
mesmos benefícios dos cidadãos que nasceram aqui.
Iniciativas como o Abraço Cultural são fundamentais para se romperem
esses espaços de exclusão. Elas permitem que os refugiados reassumam o controle
sobre suas vidas, buscando alternativas e negociando diretamente os termos de
sua integração. Só assim podem deixar para trás o papel de vítimas e objetos de
assistência humanitária, aqueles a quem as opções são sempre impostas, nunca
negociadas.
Multiplicar canais de diálogo entre brasileiros e refugiados pode
contribuir para a redução dos estigmas aqui, e servir de exemplo para muitos
países onde ainda há resistência em acolher e oferecer reais oportunidades de
uma vida nova e autônoma para essas pessoas.
André
Zuzarte, Revista de História da Biblioteca Nacional, Edição nº 124, agosto de
2016.
Enviado
por: Profº Marcelo Osório Costa.
A diplomacia brasileira mantêm uma filosofia problemática no que tange a globalização não só da comunicação, mas também, dos problemas. Temos uma diplomacia que durante um longo período de tempo se manteve como protecionista e dura em relação a estrangerios, mesmo que a filosofia que o país assuma seja justamente a contrária. Durante o governo Lula,no entanto, tivemos uma quebra desse hábito e finalmente conseguimos conversar com países fora de reuniões internacionais e assim consguimos uma facilitação nas relações Brasil-Mundo, e assim se manteve até o final do segundo governo Dilma. Devido a a uma série de cortes de gastos e de mundacas drásticas de ações nos vemos novamente presos a um alinhamento simples e feito oara nos favores num plano proximo, ignorando assim, problemas de ordem mundial
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